08 setembro 2014

Onde está a falha que permitiu a reincidência criminosa de Cadu?

Ele matou duas pessoas há quatro anos e agora, supostamente, voltou a matar. 
A grande questão é como, estando em medida de segurança, ele pôde matar novamente
Carlos Eduardo, o Cadu: novamente nas manchetes nacionais, ele pode ser o estopim para revisões nas políticas de saúde mental em Goiás |Foto: Divulgação/PM-GO
Carlos Eduardo, o Cadu: novamente nas manchetes nacionais, ele pode ser o estopim para revisões nas políticas de saúde mental em Goiás |Foto: Divulgação/PM-GO
Marcos Nunes Carreiro
15 de março de 2010. Carlos Eduardo Sun­dfeld Nunes, comumente chamado Ca­du, é preso em um confronto com a polícia na fronteira do Pa­raná com o Paraguai. Ele era procurado há dois dias, por ter matado o cartunista Glauco Vilas Boas e seu filho, Raoni, em Osasco, na Grande São Paulo. Preso, Cadu confessou o crime.
No dia 12 de março de 2010, Ca­du foi levado à chácara de Glau­co por um amigo. Acontece que ele frequentava a Igreja Céu de Maria, fundada por Glauco em Osasco e na qual os seguidores faziam uso do chá de Daime, uma bebida alucinógena. Teria sido esse chá, somada à esquizofrenia diagnosticada em Cadu, a causar um surto psicótico no rapaz, e que o levou a cometer os assassinatos. Pelo menos foi o que alegou a defesa.
Sendo esquizofrênico e, supostamente, não tendo total controle de suas ações, Cadu foi declarado inimputável pela Justiça Federal — isento de pena devido à doença mental — e sequer foi julgado. Porém, Cadu deveria ser submetido a tratamento psiquiátrico em uma instituição por três anos. A ordem judicial ocorreu no Paraná, mas só foi cumprida em Goiânia, para onde o rapaz foi transferido para ficar perto de seu pai, Carlos Grachi Nunes.
Assim, desde 2011, Cadu está inserido no Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (Paili), sendo que até 2013 ficou internado em várias clínicas, sendo uma delas a Clínica de Repouso de Goiânia. Em agosto do ano passado, a juíza Telma Aparecida Alves, da 4ª Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), baseada em laudos periciais, autorizou a “liberação” de Cadu para ser receber tratamento ambulatorial sem a necessidade de internação.
Desde então, ele foi atendido pela rede municipal de saúde, assim como todos os outros 304 pacientes atendidos atualmente pelo Paili e os demais pacientes da rede. O tratamento durou até o último dia 1°, quando Cadu foi preso suspeito de latrocínio — roubo seguido de morte — e participação em outro roubo. Com essa nova suspeita surgiram dúvidas: onde está a falha que permitiu que Cadu, uma pessoa com um histórico de violência, voltasse a praticar crimes graves? Diante disso, o Jornal Opção conversou com psiquiatras e profissionais da área para responder à pergunta.

Psiquiatras apontam falhas no tratamento de Cadu 

Superintendente da SES, Mabel Cala: “Ações deverão ser tomadas em relação ao caso, mas isso é de competência da Justiça”| Foto: Arquivo Pessoal
Superintendente da SES, Mabel Cala: “Ações deverão ser tomadas em relação ao caso, mas isso é de competência da Justiça”| Foto: Arquivo Pessoal
Quando entrou no sistema de atendimento ambulatorial do Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (Paili), em agosto de 2013, Carlos Eduardo Sundfeld, o Cadu, voltou a morar com o pai, Carlos Grachi Nunes, e a ser acompanhado periodicamente pelos profissionais do sistema de saúde de Goiânia, que conta com oito Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Esses Caps recebem pacientes com transtorno mental de moderado a grave, caso do esquizofrênico Cadu.
Acontece que Cadu já veio transferido com o laudo da junta médica que o avaliou no Paraná. Isto é, não foi avaliado novamente pela junta médica de Goiás. Como explica a superintendente de políticas de atenção integral à saúde da Secretaria Estadual de Saúde (SES), Mabel Cala de Rodriguez, ao chegar a Goiás Cadu foi, como todos os outros pacientes, encaminhado para o Pronto Socorro Psiquiátrico Wassily Chuc, que o mandou para as clínicas em que ficou internado.
Após seu tempo de internação, ele foi acompanhado de perto, como seu caso pedia, e, segundo a família, estava tomando os remédios rigorosamente. De acordo com o coordenador de saúde mental da Secretaria de Saúde de Goiânia, Sérgio Nunes, o caso de Cadu exigiu que ele participasse de sessões de 50 minutos de psicoterapia individual semanalmente, além de receber consultas com um psiquiatra uma vez por mês. “Durante todo o seu tratamento, não foi detectado nenhuma alteração de comportamento e nenhum tipo de sintomas psicóticos, como delírios ou alucinações”, relata Nunes.
Para o coordenador, Cadu estava completamente estabilizado, tanto que “no último dia 26 de agosto o pai dele nos ligou dizendo que ele estava passando muito tempo na rua e saindo de suas rotinas diárias. Entramos em contato com o paciente, que foi chamado para comparecer no Caps que o acompanhava. Ele, então, foi nos consultar no dia 27, às 8 horas da manhã. Contudo, o paciente estava orientado, coerente e lúcido. Ou seja, com todas as suas faculdades mentais reservadas”, conta.
Dessa forma, de acordo com Nunes, é muito provável que Cadu estivesse lúcido quando cometeu os crimes, pois “ele foi avaliado no dia 27 e não havia apresentado nenhum sintoma psiquiátrico, muito pelo contrário”, diz. Pela avaliação dos profissionais do município, Cadu estava muito bem organizado e informou que estava ficando muito tempo fora de casa devido ao trabalho e estudo.
Entretanto, psiquiatras ouvidos pelo Jornal Opção avaliam que houve falha no atendimento oferecido a Cadu. Em grande parte porque, segundo eles, a rede de saúde que presta o atendimento não está tecnicamente preparada para a demanda de pacientes em medida de segurança. Dessa forma, mesmo que o Paili seja uma iniciativa eficaz, sendo, na avaliação de grande parte dos profissionais da área, muito melhor do que os manicômios judiciários, o resultado final sempre terá falhas se a rede não conseguir atender satisfatoriamente.
Salomão Rodrigues (à esq.) é um dos psiquiatras que acreditam ter havido falhas no tratamento de Cadu. Sérgio Nunes (à dir.), por outro lado, defende que o tratamento foi correto |Foto: (direita) Fernando Leite/Jornal Opção
Salomão Rodrigues (à esq.) é um dos psiquiatras que acreditam ter havido falhas no tratamento de Cadu. Sérgio Nunes (à dir.), por outro lado, defende que o tratamento foi correto|Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
A principal crítica está no fato de que os pacientes do Paili contemplados pela rede de saúde são atendidos como todos os outros pacientes dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). “Isso não pode acontecer, pois um paciente do Paili não pode ser tratado como um paciente que está lá porque quer ou precisa. Os pacientes do Paili estão no programa compulsoriamente, isto é, porque a Justiça determinou”, afirma um psiquiatra que não quis ser identificado. Em relação a Cadu, o questionamento é se houve falta de atenção da equipe responsável por ele, visto que seu histórico — duplo homicídio — já bastaria para que seu caso fosse visto mais atentamente.
Outra crítica feita é sobre a questão dos medicamentos. O psiquiatra Salomão Rodrigues Filho, por exemplo, acredita que, mesmo estando em tratamento ambulatorial, o paciente deveria tomar seus medicamentos no próprio Caps. Essa medida seria para assegurar que os medicamentos estão sendo tomados, pois, mesmo que família diga que os remédios são dados, não se pode ter certeza.
Sobre isso, o coordenador de saúde mental de Goiânia, Sérgio Nunes, diz que Cadu tomava todos os medicamentos, e que o Caps tinha conhecimento do tema tanto por meio dos pais, que eram ouvidos, quanto por meio de exames toxicológicos, que evitavam também que o paciente ingerisse drogas ilícitas.
Um fator que poderia ter evitado a reincidência de Cadu é o tratamento mais próximo. Como já foi dito, ele tinha sessões de psicoterapia individual uma vez por semana, além de receber consultas com um psiquiatra uma vez por mês. Por que ele não era visto mais vezes durante a semana? Segundo Nunes, cada paciente tem seu próprio calendário de atendimentos, que é definido pela equipe multidisciplinar da rede municipal. Logo, para o coordenador, os atendimentos de Cadu eram suficientes para o caso dele.
Há ainda o vácuo de comunicação entre o Paili e a rede municipal de saúde. Afinal, o programa só recebe relatórios trimestrais sobre os pacientes (veja quadro acima). No caso de Cadu, o pai havia entrado em contato com a rede de atendimento dois dias antes de ele cometer o crime informando sobre alterações de comportamento no filho. Ao que consta, pela fala da superintendente da SES, Mabel Cala, o Paili só tomou conhecimento do fato após o acontecimento do crime.
Por fim, há o fato de que pode ter havido falha no atendimento do dia 27, um dia antes do crime supostamente cometido por Cadu. Nunes diz que, por questões de segurança, não pode revelar quem são os profissionais que acompanhavam Cadu, ou apresentar o relatório sobre a situação do paciente. Logo, a reportagem não pôde entrar em contato com o psicólogo e os psiquiatras que fizeram o atendimento. Sobre isso, Nunes reafirmou que na consulta Cadu não apresentou nenhum sintoma psicótico, como delírios ou alucinações.

Melhorias podem ser feitas no atendimento a pacientes com medida de segurança

Léo Machado: “O tratamento deve ser feito mais de perto, pois ninguém pode prever quando um paciente irá entrar em surto”|Foto: Fernando Leite
Léo Machado: “O tratamento deve ser feito mais de perto, pois ninguém pode prever quando um paciente irá entrar em surto”|Foto: Fernando Leite
O psiquiatra forense Léo de Souza Machado diz que algumas ações podem ser feitas para melhorar o atendimento do programa aos pacientes em medida de segurança. Ele pontua que os pacientes como Carlos Eduardo Sundfeld poderiam, por exemplo, usar tornozeleira eletrônica, serem obrigados a apresentar exame toxicológico periodicamente, além de terem seus casos acompanhados mais de perto. “O tratamento deve ser feito mais de perto, pois ninguém pode prever quando um paciente irá entrar em surto. Com um acompanhamento mais próximo é possível tomar atitudes mais rapidamente caso algo aconteça”.
Segundo ele, se ações assim tivessem sido realizadas, a reincidência de Cadu no crime seria dificultada. Sobre o caso, o psiquiatra diz que o suspeito precisará passar por nova perícia, visto que não foi realizada nenhuma perícia no paciente em Goiás, uma vez que o laudo já veio do Paraná à época de sua transferência. “Além disso, é preciso saber se há nexo de causa entre a doença e o crime, pois, no Brasil, a simples presença da doença não é uma licença para fazer o que quiser”, diz. Isto é, se ficar comprovado que no momento do crime ele tinha condições de autodiscernimento, ele poderá ser criminalizado.

O que é o Paili?

O Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (Paili) é uma parceira entre a Justiça e os sistemas de saúde estadual e municipal. O programa é o único no país que atende a pessoas que, como Cadu, foram submetidas a medidas de segurança por terem praticado algum crime, mas foram absolvidas devido a doenças mentais.
O Paili funciona da seguinte maneira: entendendo que o réu não pode ser julgado devido à inimputabilidade, o juiz manda a pessoa para o Paili, que conta com uma equipe multidisciplinar para avaliar seu caso e, assim, fazer o encaminhamento para o serviço de saúde municipal. A regulação é feita caso a caso pelo Pronto Socorro Psiquiátrico Wassily Chuc.
Avaliado o caso, esse paciente pode ser encaminhado para um dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) ou para uma das clínicas psiquiátricas particulares com as quais o Sistema Único de Saúde (SUS) tenha convênio. O tratamento não tem tempo estipulado, uma vez que cada paciente tem suas próprias demandas. Alguns, por motivos de saúde, precisam ficar internados, outros não; uns precisam de acompanhamento mais próximo, outros não; etc.

Uma vez por mês o sistema municipal de saúde recebe um relatório sobre cada paciente e de três em três meses a superintendência de políticas de atenção integral à saúde da Secretaria Estadual de Saúde (SES), responsável pelo programa, recebe um relatório do município. Esse relatório trimestral é, por sua vez, encaminhado pela SES para o Poder Judiciário. E se um paciente fugir ou reincidir em crime? Se isso ocorrer, o município avisa o Paili, que avisa o juiz responsável por aquele caso específico. Assim, o juiz pode tomar as devidas providências.
Da mesma forma, em determinado tempo de tratamento, se os profissionais do município que cuidam de um paciente do Paili acharem que o paciente está devidamente controlado e em situação de ser liberado do programa, emitem um relatório com essa visão. O programa repassa o relatório para o Poder Judiciário, que encaminha o paciente novamente para a junta médica que o avaliou à época de sua entrada no Paili. Se essa junta médica entender que realmente o paciente está em condições de ser liberado, a própria junta médica acompanha o paciente por mais um ano. Se ficar constatado que aquele paciente de fato pode continuar tomando os remédios por conta própria, o juiz recebe o relatório e pode encerrar o caso.
Porque Cadu não  foi internado em um manicômio judiciário
Promotor Haroldo Caetano: “Não é por ter uma doença mental que o sujeito necessariamente pratica um crime”|Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Promotor Haroldo Caetano: “Não é por ter uma doença mental que o sujeito necessariamente pratica um crime”|Foto:
Fernando Leite/Jornal Opção
Por que Cadu não foi internado em um manicômio judiciário, já que é perigoso? A resposta a essa pergunta é simples: porque Goiânia não tem um. Por que não tem? Para responder a esse segundo questionamento já é necessária alguma reflexão. Até 2001, a legislação brasileira determinava que o portador de doença mental que cometesse crime grave deveria ficar internado em um manicômio judiciário.
Porém, com a aprovação da Lei 10.216/2001, também conhecida como Lei Antimani­comial, passou a haver um veto em relação à internação de pessoas em instituições com características asilares. Assim, como explica o promotor de Justiça do MP-GO Haroldo Caetano da Silva, desde 2001, o manicômio judiciário é uma instituição que está na ilegalidade, embora “essa ilegalidade ainda não tenha sido assimilada por todo o país, pois a Justiça não tem um discurso uniforme sobre o assunto. Resulta daí a confusão sobre o tratamento que deve ser dado ao louco infrator”, diz Caetano.
Em outros estados brasileiros, como São Paulo, instituições assim ainda existem. Se tivesse sido julgado em São Paulo, por exemplo, Cadu com certeza seria enviado para uma instituição assim, possivelmente para o manicômio judiciário de Franco da Rocha, o maior do país. O promotor diz que exemplos como o São Paulo tendem a acabar, o que não é o caso do sistema de Goiás.
“Historicamente, esses manicômios são locais para onde esse público é levado e, às vezes, fica até o fim da vida. São locais que não têm nada de terapêutico, um espaço de pura contenção e segregação. Já o Paili tem como fundamento principal o tratamento e a integração social do paciente. O sujeito deverá ser tratado não porque é perigoso, mas porque precisa voltar ao convívio social”, relata. O Paili também tem a internação como recurso. Mas a internação é um recurso terapêutico, aplicado apenas em situações excepcionais.
O fator família
A defesa de um tratamento aberto, isto é, fora da internação proposta pelos manicômios, vai também ao encontro da importância da família no processo de recuperação dos pacientes. “Quem passa pela dificuldade de ter alguém com transtorno mental na família sabe como é difícil. Os laços familiares já são fragilizados por conta do transtorno. Logo, o tratamento não pode ser de longa duração, senão esses laços, que já são frágeis, deixam de existir fazendo com que o paciente se torne institucionalizado. E essa não é a proposta do Paili, por exemplo”, afirma Caetano.
De acordo com o promotor, o programa chama a família para participar do tratamento e também vai até à casa do paciente. “O programa contempla também a família, fazendo esse acompanhamento mais próximo. Inclusive, a Lei Antimanicomial prioriza a reinserção desse sujeito tanto no convívio social quanto familiar”, termina.
Periculosidade do louco
À época da morte do cartunista Glauco Vilas Boas e de seu filho, a defesa de Cadu alegou incapacidade de discernimento das ações devido a um surto psicótico causado por sua doença diagnosticada, a esquizofrenia. Assim, quando de sua prisão no início deste mês o mesmo questionamento começou a circular tanto entre os profissionais da área de saúde mental quanto os da área do direito, visto que a resposta a essa pergunta decidirá o futuro de Cadu: ser preso ou voltar ao tratamento a que vinha sendo submetido antes de agosto de 2013.
Em relação a isso, a superintendente da SES, Mabel Cala diz: “Se ele estava em surto psicótico no momento dos crimes que cometeu recentemente, essa análise não cabe ao Paili, mas à junta médica e ao juiz. São eles que devem verificar as ações a serem tomadas no caso. Se o crime que ele cometeu não está ligado à doença, ele deve pagar pelo que fez. Se ele estava em surto psicótico, então, ele deve ser novamente tratado. Agora, no caso dele, que já matou outras vezes, é lógico que outras medidas devem ser tomadas. Porém, isso cabe à Justiça decidir”, relata Mabel.
A grande questão nesse caso é: todo suspeito de crime portador de doença mental é naturalmente perigoso e está propenso a causar danos à sociedade? Para o promotor do MP-GO, Haroldo Cae­ta­no, atribuir à doença uma periculosidade natural é preconceito e não fato. Caetano é um dos grandes responsáveis pela implantação do Paili em Goiás.
Para o promotor, a periculosidade do louco é um mito. “As pessoas esperam que o criminoso que tem uma doença mental fique internada até que essa periculosidade inata acabe. Na prática, a loucura, em muitos casos, não tem cura. Então, ela ficará internada até o resto da vida? Esse discurso autoritário, que está implícito no Código Penal brasileiro, vem do Código Penal italiano do período fascista, que foi contemplado pela legislação brasileira em 1940”, analisa.
Assim, Caetano defende que a sociedade seja informada de que “não se pode vincular o crime à doença. Afinal, não é por ter uma doença mental que o sujeito pratica um crime. Se partirmos desse pressuposto, veremos que quem não padece de doença mental pratica muito mais crimes. O Paili tem um índice de reincidência de 7%, enquanto o índice entre os presidiários que deixam o sistema prisional é estimado em mais de 70%. Ou seja, os números dizem que o problema da violência não está na loucura”, declara.
Segundo o promotor, des­de 2006, quando foi criado o Paili, 424 pacientes já foram atendidos. Atualmente, 305 estão sendo acompanhados. “E nesse período, ocorreram apenas duas reincidências graves, sendo uma a do Cadu. Reincidências leves foram 7% dos casos. Logo, os números dizem que o sistema é seguro, pois as reincidências não são regra, mas exceção”, ressalta o promotor.
Isso significa que o programa é isento de melhorias? Obviamente não. E o caso Cadu servirá para promover as modificações que forem necessárias, exatamente para minimizar ao máximo a ocorrência de casos que, embora representem uma exceção, causam danos à sociedade.

De Menor atualiza a fábula de João e Maria

140906-DeMenor
Filme coloca dois irmãos em choque com brutalidade urbana e sugere: lutar contra desigualdade e desamparo é quixotesco, e ainda assim vale a pena…
Por Jose Geraldo Couto, no blog do IMS
Há em De menor um frescor que vem de várias fontes. A mais evidente é o tema candente e atualíssimo – o calvário vicioso dos adolescentes infratores –, mas há outras: a juventude do elenco principal e da própria diretora Caru Alves de Souza, estreante em longa; as locações pouco usuais em Santos, com suas praias, favelas e bairros de classe média; e por fim, mas não menos importante, uma elaboração audiovisual híbrida, na fronteira entre o documentário e a ficção, entre o drama familiar e o painel social.
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No centro da trama, dois irmãos: Helena (Rita Batata), advogada recém-formada, e Caio (Giovanni Gallo), adolescente que flerta com a delinquência. O filme os apresenta inicialmente como um par de jovens cúmplices, numa convivência quase erótica, como um casal de namorados. Demora um pouco para percebermos que se trata de dois irmãos que ficaram órfãos há pouco tempo.
Perdidos na selva urbana
Dois meninos meio perdidos, como João e Maria, numa floresta ameaçadora, a cidade fraturada pelas contradições sociais, culturais, morais. É da fragilidade desse par que o filme extrai a sua força.
Helena parece imatura demais para enfrentar o cipoal de leis e artimanhas da Justiça, numa sociedade que empurra os meninos pobres para o desamparo e o crime. Também Caio parece demasiado vulnerável aos apelos do consumo e à necessidade de autoafirmação juvenil que costumam levar a atalhos perigosos. Nesse contexto, sua irmã assume precocemente o papel de mãe protetora.
Os arautos intransigentes da verossimilhança podem objetar que a atriz Rita Batata não convence como defensora pública atuante, por ser pouco mais que uma menina. Mas é justamente essa aparente incongruência que realça duas ideias fortes. Primeiro, a de que só uma garota em início de carreira poderia ter a pureza de intenções e a disponibilidade de energia necessárias para entregar-se de corpo e alma à causa de seus pivetes. Segundo, a de que seu empenho é uma luta quixotesca contra um mundo bruto, impermeável ao afeto.
Drama individual e tragédia coletiva
A articulação entre o drama íntimo dos dois protagonistas com o quadro social mais amplo é o grande trunfo do filme. Seu recurso visual mais eficaz é a câmera na mão que perscruta em longos planos contínuos um espaço cheio de significados. Dois exemplos: o longo plano sem cortes que acompanha a chegada de Helena à sua casa e a exploração de vários aposentos; o percurso da protagonista por um labirinto de casas, barracos, lajes e puxadinhos numa favela paulistana, à procura da mãe de um menor infrator.

No primeiro caso, há um mergulho na vida íntima da personagem; no segundo, a descida ao formigueiro humano de onde brotam seus pequenos clientes. O drama individual e a tragédia coletiva, ambos investigados com o mesmo interesse e a mesma honestidade do olhar.
Mas há também uma sutil orquestração dos olhares nas audiências no tribunal: advogada, promotor, juiz, acusado e vítima, cada um com seus medos e desejos, seus fantasmas e demônios. A câmera de Jacob Solitrenick (e a montagem de Willem Dias) dá a cada um o mesmo espaço, a mesma espessura, a mesma dignidade. Nada a ver, aqui, com o simplismo maniqueísta dos filmes americanos de tribunal.
Cabe destacar, por fim, a ótima trilha sonora de Tatá Aeroplano, alternando pulsação e lirismo, e a coesão do elenco, que vai de atores tarimbados como Caco Ciocler (no papel de um juiz de menores) a meninos que parecem saídos da Febem, ou melhor, da Fundação Casa, que, como o filme deixa claro, é um eufemismo para penitenciária de crianças e adolescentes.
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