Direito Publico, Diversidade e Direitos Humanos
07 março 2015
08 setembro 2014
Onde está a falha que permitiu a reincidência criminosa de Cadu?
Ele matou duas pessoas há quatro anos e agora, supostamente, voltou a matar.
A grande questão é como, estando em medida de segurança, ele pôde matar novamente
A grande questão é como, estando em medida de segurança, ele pôde matar novamente
Marcos Nunes Carreiro
15 de março de 2010. Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, comumente chamado Cadu, é preso em um confronto com a polícia na fronteira do Paraná com o Paraguai. Ele era procurado há dois dias, por ter matado o cartunista Glauco Vilas Boas e seu filho, Raoni, em Osasco, na Grande São Paulo. Preso, Cadu confessou o crime.
No dia 12 de março de 2010, Cadu foi levado à chácara de Glauco por um amigo. Acontece que ele frequentava a Igreja Céu de Maria, fundada por Glauco em Osasco e na qual os seguidores faziam uso do chá de Daime, uma bebida alucinógena. Teria sido esse chá, somada à esquizofrenia diagnosticada em Cadu, a causar um surto psicótico no rapaz, e que o levou a cometer os assassinatos. Pelo menos foi o que alegou a defesa.
Sendo esquizofrênico e, supostamente, não tendo total controle de suas ações, Cadu foi declarado inimputável pela Justiça Federal — isento de pena devido à doença mental — e sequer foi julgado. Porém, Cadu deveria ser submetido a tratamento psiquiátrico em uma instituição por três anos. A ordem judicial ocorreu no Paraná, mas só foi cumprida em Goiânia, para onde o rapaz foi transferido para ficar perto de seu pai, Carlos Grachi Nunes.
Assim, desde 2011, Cadu está inserido no Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (Paili), sendo que até 2013 ficou internado em várias clínicas, sendo uma delas a Clínica de Repouso de Goiânia. Em agosto do ano passado, a juíza Telma Aparecida Alves, da 4ª Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), baseada em laudos periciais, autorizou a “liberação” de Cadu para ser receber tratamento ambulatorial sem a necessidade de internação.
Desde então, ele foi atendido pela rede municipal de saúde, assim como todos os outros 304 pacientes atendidos atualmente pelo Paili e os demais pacientes da rede. O tratamento durou até o último dia 1°, quando Cadu foi preso suspeito de latrocínio — roubo seguido de morte — e participação em outro roubo. Com essa nova suspeita surgiram dúvidas: onde está a falha que permitiu que Cadu, uma pessoa com um histórico de violência, voltasse a praticar crimes graves? Diante disso, o Jornal Opção conversou com psiquiatras e profissionais da área para responder à pergunta.
Psiquiatras apontam falhas no tratamento de Cadu
Quando entrou no sistema de atendimento ambulatorial do Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (Paili), em agosto de 2013, Carlos Eduardo Sundfeld, o Cadu, voltou a morar com o pai, Carlos Grachi Nunes, e a ser acompanhado periodicamente pelos profissionais do sistema de saúde de Goiânia, que conta com oito Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Esses Caps recebem pacientes com transtorno mental de moderado a grave, caso do esquizofrênico Cadu.
Acontece que Cadu já veio transferido com o laudo da junta médica que o avaliou no Paraná. Isto é, não foi avaliado novamente pela junta médica de Goiás. Como explica a superintendente de políticas de atenção integral à saúde da Secretaria Estadual de Saúde (SES), Mabel Cala de Rodriguez, ao chegar a Goiás Cadu foi, como todos os outros pacientes, encaminhado para o Pronto Socorro Psiquiátrico Wassily Chuc, que o mandou para as clínicas em que ficou internado.
Após seu tempo de internação, ele foi acompanhado de perto, como seu caso pedia, e, segundo a família, estava tomando os remédios rigorosamente. De acordo com o coordenador de saúde mental da Secretaria de Saúde de Goiânia, Sérgio Nunes, o caso de Cadu exigiu que ele participasse de sessões de 50 minutos de psicoterapia individual semanalmente, além de receber consultas com um psiquiatra uma vez por mês. “Durante todo o seu tratamento, não foi detectado nenhuma alteração de comportamento e nenhum tipo de sintomas psicóticos, como delírios ou alucinações”, relata Nunes.
Para o coordenador, Cadu estava completamente estabilizado, tanto que “no último dia 26 de agosto o pai dele nos ligou dizendo que ele estava passando muito tempo na rua e saindo de suas rotinas diárias. Entramos em contato com o paciente, que foi chamado para comparecer no Caps que o acompanhava. Ele, então, foi nos consultar no dia 27, às 8 horas da manhã. Contudo, o paciente estava orientado, coerente e lúcido. Ou seja, com todas as suas faculdades mentais reservadas”, conta.
Dessa forma, de acordo com Nunes, é muito provável que Cadu estivesse lúcido quando cometeu os crimes, pois “ele foi avaliado no dia 27 e não havia apresentado nenhum sintoma psiquiátrico, muito pelo contrário”, diz. Pela avaliação dos profissionais do município, Cadu estava muito bem organizado e informou que estava ficando muito tempo fora de casa devido ao trabalho e estudo.
Entretanto, psiquiatras ouvidos pelo Jornal Opção avaliam que houve falha no atendimento oferecido a Cadu. Em grande parte porque, segundo eles, a rede de saúde que presta o atendimento não está tecnicamente preparada para a demanda de pacientes em medida de segurança. Dessa forma, mesmo que o Paili seja uma iniciativa eficaz, sendo, na avaliação de grande parte dos profissionais da área, muito melhor do que os manicômios judiciários, o resultado final sempre terá falhas se a rede não conseguir atender satisfatoriamente.
A principal crítica está no fato de que os pacientes do Paili contemplados pela rede de saúde são atendidos como todos os outros pacientes dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). “Isso não pode acontecer, pois um paciente do Paili não pode ser tratado como um paciente que está lá porque quer ou precisa. Os pacientes do Paili estão no programa compulsoriamente, isto é, porque a Justiça determinou”, afirma um psiquiatra que não quis ser identificado. Em relação a Cadu, o questionamento é se houve falta de atenção da equipe responsável por ele, visto que seu histórico — duplo homicídio — já bastaria para que seu caso fosse visto mais atentamente.
Outra crítica feita é sobre a questão dos medicamentos. O psiquiatra Salomão Rodrigues Filho, por exemplo, acredita que, mesmo estando em tratamento ambulatorial, o paciente deveria tomar seus medicamentos no próprio Caps. Essa medida seria para assegurar que os medicamentos estão sendo tomados, pois, mesmo que família diga que os remédios são dados, não se pode ter certeza.
Sobre isso, o coordenador de saúde mental de Goiânia, Sérgio Nunes, diz que Cadu tomava todos os medicamentos, e que o Caps tinha conhecimento do tema tanto por meio dos pais, que eram ouvidos, quanto por meio de exames toxicológicos, que evitavam também que o paciente ingerisse drogas ilícitas.
Um fator que poderia ter evitado a reincidência de Cadu é o tratamento mais próximo. Como já foi dito, ele tinha sessões de psicoterapia individual uma vez por semana, além de receber consultas com um psiquiatra uma vez por mês. Por que ele não era visto mais vezes durante a semana? Segundo Nunes, cada paciente tem seu próprio calendário de atendimentos, que é definido pela equipe multidisciplinar da rede municipal. Logo, para o coordenador, os atendimentos de Cadu eram suficientes para o caso dele.
Há ainda o vácuo de comunicação entre o Paili e a rede municipal de saúde. Afinal, o programa só recebe relatórios trimestrais sobre os pacientes (veja quadro acima). No caso de Cadu, o pai havia entrado em contato com a rede de atendimento dois dias antes de ele cometer o crime informando sobre alterações de comportamento no filho. Ao que consta, pela fala da superintendente da SES, Mabel Cala, o Paili só tomou conhecimento do fato após o acontecimento do crime.
Por fim, há o fato de que pode ter havido falha no atendimento do dia 27, um dia antes do crime supostamente cometido por Cadu. Nunes diz que, por questões de segurança, não pode revelar quem são os profissionais que acompanhavam Cadu, ou apresentar o relatório sobre a situação do paciente. Logo, a reportagem não pôde entrar em contato com o psicólogo e os psiquiatras que fizeram o atendimento. Sobre isso, Nunes reafirmou que na consulta Cadu não apresentou nenhum sintoma psicótico, como delírios ou alucinações.
Melhorias podem ser feitas no atendimento a pacientes com medida de segurança
O psiquiatra forense Léo de Souza Machado diz que algumas ações podem ser feitas para melhorar o atendimento do programa aos pacientes em medida de segurança. Ele pontua que os pacientes como Carlos Eduardo Sundfeld poderiam, por exemplo, usar tornozeleira eletrônica, serem obrigados a apresentar exame toxicológico periodicamente, além de terem seus casos acompanhados mais de perto. “O tratamento deve ser feito mais de perto, pois ninguém pode prever quando um paciente irá entrar em surto. Com um acompanhamento mais próximo é possível tomar atitudes mais rapidamente caso algo aconteça”.
Segundo ele, se ações assim tivessem sido realizadas, a reincidência de Cadu no crime seria dificultada. Sobre o caso, o psiquiatra diz que o suspeito precisará passar por nova perícia, visto que não foi realizada nenhuma perícia no paciente em Goiás, uma vez que o laudo já veio do Paraná à época de sua transferência. “Além disso, é preciso saber se há nexo de causa entre a doença e o crime, pois, no Brasil, a simples presença da doença não é uma licença para fazer o que quiser”, diz. Isto é, se ficar comprovado que no momento do crime ele tinha condições de autodiscernimento, ele poderá ser criminalizado.
O que é o Paili?
O Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (Paili) é uma parceira entre a Justiça e os sistemas de saúde estadual e municipal. O programa é o único no país que atende a pessoas que, como Cadu, foram submetidas a medidas de segurança por terem praticado algum crime, mas foram absolvidas devido a doenças mentais.
O Paili funciona da seguinte maneira: entendendo que o réu não pode ser julgado devido à inimputabilidade, o juiz manda a pessoa para o Paili, que conta com uma equipe multidisciplinar para avaliar seu caso e, assim, fazer o encaminhamento para o serviço de saúde municipal. A regulação é feita caso a caso pelo Pronto Socorro Psiquiátrico Wassily Chuc.
Avaliado o caso, esse paciente pode ser encaminhado para um dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) ou para uma das clínicas psiquiátricas particulares com as quais o Sistema Único de Saúde (SUS) tenha convênio. O tratamento não tem tempo estipulado, uma vez que cada paciente tem suas próprias demandas. Alguns, por motivos de saúde, precisam ficar internados, outros não; uns precisam de acompanhamento mais próximo, outros não; etc.
Uma vez por mês o sistema municipal de saúde recebe um relatório sobre cada paciente e de três em três meses a superintendência de políticas de atenção integral à saúde da Secretaria Estadual de Saúde (SES), responsável pelo programa, recebe um relatório do município. Esse relatório trimestral é, por sua vez, encaminhado pela SES para o Poder Judiciário. E se um paciente fugir ou reincidir em crime? Se isso ocorrer, o município avisa o Paili, que avisa o juiz responsável por aquele caso específico. Assim, o juiz pode tomar as devidas providências.
Da mesma forma, em determinado tempo de tratamento, se os profissionais do município que cuidam de um paciente do Paili acharem que o paciente está devidamente controlado e em situação de ser liberado do programa, emitem um relatório com essa visão. O programa repassa o relatório para o Poder Judiciário, que encaminha o paciente novamente para a junta médica que o avaliou à época de sua entrada no Paili. Se essa junta médica entender que realmente o paciente está em condições de ser liberado, a própria junta médica acompanha o paciente por mais um ano. Se ficar constatado que aquele paciente de fato pode continuar tomando os remédios por conta própria, o juiz recebe o relatório e pode encerrar o caso.
Porque Cadu não foi internado em um manicômio judiciário
Por que Cadu não foi internado em um manicômio judiciário, já que é perigoso? A resposta a essa pergunta é simples: porque Goiânia não tem um. Por que não tem? Para responder a esse segundo questionamento já é necessária alguma reflexão. Até 2001, a legislação brasileira determinava que o portador de doença mental que cometesse crime grave deveria ficar internado em um manicômio judiciário.
Porém, com a aprovação da Lei 10.216/2001, também conhecida como Lei Antimanicomial, passou a haver um veto em relação à internação de pessoas em instituições com características asilares. Assim, como explica o promotor de Justiça do MP-GO Haroldo Caetano da Silva, desde 2001, o manicômio judiciário é uma instituição que está na ilegalidade, embora “essa ilegalidade ainda não tenha sido assimilada por todo o país, pois a Justiça não tem um discurso uniforme sobre o assunto. Resulta daí a confusão sobre o tratamento que deve ser dado ao louco infrator”, diz Caetano.
Em outros estados brasileiros, como São Paulo, instituições assim ainda existem. Se tivesse sido julgado em São Paulo, por exemplo, Cadu com certeza seria enviado para uma instituição assim, possivelmente para o manicômio judiciário de Franco da Rocha, o maior do país. O promotor diz que exemplos como o São Paulo tendem a acabar, o que não é o caso do sistema de Goiás.
“Historicamente, esses manicômios são locais para onde esse público é levado e, às vezes, fica até o fim da vida. São locais que não têm nada de terapêutico, um espaço de pura contenção e segregação. Já o Paili tem como fundamento principal o tratamento e a integração social do paciente. O sujeito deverá ser tratado não porque é perigoso, mas porque precisa voltar ao convívio social”, relata. O Paili também tem a internação como recurso. Mas a internação é um recurso terapêutico, aplicado apenas em situações excepcionais.
O fator família
A defesa de um tratamento aberto, isto é, fora da internação proposta pelos manicômios, vai também ao encontro da importância da família no processo de recuperação dos pacientes. “Quem passa pela dificuldade de ter alguém com transtorno mental na família sabe como é difícil. Os laços familiares já são fragilizados por conta do transtorno. Logo, o tratamento não pode ser de longa duração, senão esses laços, que já são frágeis, deixam de existir fazendo com que o paciente se torne institucionalizado. E essa não é a proposta do Paili, por exemplo”, afirma Caetano.
De acordo com o promotor, o programa chama a família para participar do tratamento e também vai até à casa do paciente. “O programa contempla também a família, fazendo esse acompanhamento mais próximo. Inclusive, a Lei Antimanicomial prioriza a reinserção desse sujeito tanto no convívio social quanto familiar”, termina.
Periculosidade do louco
À época da morte do cartunista Glauco Vilas Boas e de seu filho, a defesa de Cadu alegou incapacidade de discernimento das ações devido a um surto psicótico causado por sua doença diagnosticada, a esquizofrenia. Assim, quando de sua prisão no início deste mês o mesmo questionamento começou a circular tanto entre os profissionais da área de saúde mental quanto os da área do direito, visto que a resposta a essa pergunta decidirá o futuro de Cadu: ser preso ou voltar ao tratamento a que vinha sendo submetido antes de agosto de 2013.
Em relação a isso, a superintendente da SES, Mabel Cala diz: “Se ele estava em surto psicótico no momento dos crimes que cometeu recentemente, essa análise não cabe ao Paili, mas à junta médica e ao juiz. São eles que devem verificar as ações a serem tomadas no caso. Se o crime que ele cometeu não está ligado à doença, ele deve pagar pelo que fez. Se ele estava em surto psicótico, então, ele deve ser novamente tratado. Agora, no caso dele, que já matou outras vezes, é lógico que outras medidas devem ser tomadas. Porém, isso cabe à Justiça decidir”, relata Mabel.
A grande questão nesse caso é: todo suspeito de crime portador de doença mental é naturalmente perigoso e está propenso a causar danos à sociedade? Para o promotor do MP-GO, Haroldo Caetano, atribuir à doença uma periculosidade natural é preconceito e não fato. Caetano é um dos grandes responsáveis pela implantação do Paili em Goiás.
Para o promotor, a periculosidade do louco é um mito. “As pessoas esperam que o criminoso que tem uma doença mental fique internada até que essa periculosidade inata acabe. Na prática, a loucura, em muitos casos, não tem cura. Então, ela ficará internada até o resto da vida? Esse discurso autoritário, que está implícito no Código Penal brasileiro, vem do Código Penal italiano do período fascista, que foi contemplado pela legislação brasileira em 1940”, analisa.
Assim, Caetano defende que a sociedade seja informada de que “não se pode vincular o crime à doença. Afinal, não é por ter uma doença mental que o sujeito pratica um crime. Se partirmos desse pressuposto, veremos que quem não padece de doença mental pratica muito mais crimes. O Paili tem um índice de reincidência de 7%, enquanto o índice entre os presidiários que deixam o sistema prisional é estimado em mais de 70%. Ou seja, os números dizem que o problema da violência não está na loucura”, declara.
Segundo o promotor, desde 2006, quando foi criado o Paili, 424 pacientes já foram atendidos. Atualmente, 305 estão sendo acompanhados. “E nesse período, ocorreram apenas duas reincidências graves, sendo uma a do Cadu. Reincidências leves foram 7% dos casos. Logo, os números dizem que o sistema é seguro, pois as reincidências não são regra, mas exceção”, ressalta o promotor.
Isso significa que o programa é isento de melhorias? Obviamente não. E o caso Cadu servirá para promover as modificações que forem necessárias, exatamente para minimizar ao máximo a ocorrência de casos que, embora representem uma exceção, causam danos à sociedade.
De Menor atualiza a fábula de João e Maria
Filme coloca dois irmãos em choque com brutalidade urbana e sugere: lutar contra desigualdade e desamparo é quixotesco, e ainda assim vale a pena…
Por Jose Geraldo Couto, no blog do IMS
Há em De menor um frescor que vem de várias fontes. A mais evidente é o tema candente e atualíssimo – o calvário vicioso dos adolescentes infratores –, mas há outras: a juventude do elenco principal e da própria diretora Caru Alves de Souza, estreante em longa; as locações pouco usuais em Santos, com suas praias, favelas e bairros de classe média; e por fim, mas não menos importante, uma elaboração audiovisual híbrida, na fronteira entre o documentário e a ficção, entre o drama familiar e o painel social.
No centro da trama, dois irmãos: Helena (Rita Batata), advogada recém-formada, e Caio (Giovanni Gallo), adolescente que flerta com a delinquência. O filme os apresenta inicialmente como um par de jovens cúmplices, numa convivência quase erótica, como um casal de namorados. Demora um pouco para percebermos que se trata de dois irmãos que ficaram órfãos há pouco tempo.
Perdidos na selva urbana
Dois meninos meio perdidos, como João e Maria, numa floresta ameaçadora, a cidade fraturada pelas contradições sociais, culturais, morais. É da fragilidade desse par que o filme extrai a sua força.
Helena parece imatura demais para enfrentar o cipoal de leis e artimanhas da Justiça, numa sociedade que empurra os meninos pobres para o desamparo e o crime. Também Caio parece demasiado vulnerável aos apelos do consumo e à necessidade de autoafirmação juvenil que costumam levar a atalhos perigosos. Nesse contexto, sua irmã assume precocemente o papel de mãe protetora.
Os arautos intransigentes da verossimilhança podem objetar que a atriz Rita Batata não convence como defensora pública atuante, por ser pouco mais que uma menina. Mas é justamente essa aparente incongruência que realça duas ideias fortes. Primeiro, a de que só uma garota em início de carreira poderia ter a pureza de intenções e a disponibilidade de energia necessárias para entregar-se de corpo e alma à causa de seus pivetes. Segundo, a de que seu empenho é uma luta quixotesca contra um mundo bruto, impermeável ao afeto.
Drama individual e tragédia coletiva
A articulação entre o drama íntimo dos dois protagonistas com o quadro social mais amplo é o grande trunfo do filme. Seu recurso visual mais eficaz é a câmera na mão que perscruta em longos planos contínuos um espaço cheio de significados. Dois exemplos: o longo plano sem cortes que acompanha a chegada de Helena à sua casa e a exploração de vários aposentos; o percurso da protagonista por um labirinto de casas, barracos, lajes e puxadinhos numa favela paulistana, à procura da mãe de um menor infrator.
No primeiro caso, há um mergulho na vida íntima da personagem; no segundo, a descida ao formigueiro humano de onde brotam seus pequenos clientes. O drama individual e a tragédia coletiva, ambos investigados com o mesmo interesse e a mesma honestidade do olhar.
Mas há também uma sutil orquestração dos olhares nas audiências no tribunal: advogada, promotor, juiz, acusado e vítima, cada um com seus medos e desejos, seus fantasmas e demônios. A câmera de Jacob Solitrenick (e a montagem de Willem Dias) dá a cada um o mesmo espaço, a mesma espessura, a mesma dignidade. Nada a ver, aqui, com o simplismo maniqueísta dos filmes americanos de tribunal.
Cabe destacar, por fim, a ótima trilha sonora de Tatá Aeroplano, alternando pulsação e lirismo, e a coesão do elenco, que vai de atores tarimbados como Caco Ciocler (no papel de um juiz de menores) a meninos que parecem saídos da Febem, ou melhor, da Fundação Casa, que, como o filme deixa claro, é um eufemismo para penitenciária de crianças e adolescentes.
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15 agosto 2014
Em caso de flagrante, maioria dos juízes opta pela prisão preventiva
Primazia das grades
Em caso de flagrante, maioria dos juízes opta pela prisão preventiva
A maioria dos juízes, ao analisar casos de prisão em flagrante, opta por determinar a detenção preventiva, aponta o estudo SOS Liberdade,
produzido pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa com o intuito
de sondar o impacto da Lei 12.403/11 (Lei das Cautelares) nas decisões
judiciais em São Paulo.
Segundo a pesquisa, de 344 decisões
judiciais analisadas, 171 converteram a prisão em flagrante em prisão
preventiva (49,71%), 154 aplicaram medida cautelar alternativa à
detenção (44,77%) e em 18 casos o acusado foi colocado em liberdade
plena (5,23%).
O argumento mais utilizado para fundamentar a
prisão preventiva, ainda de acordo com o levantamento, é a garantia da
ordem pública (36%), seguido da conveniência da instrução criminal (29%)
e aplicação da Lei Penal (19%).
Após a denúncia ser oferecida e o
processo encaminhado para o fórum criminal da Barra Funda, dos 171
casos de prisão preventiva, 57 tiveram a medida mantida (33,33%). A
liberdade provisória sem fiança foi concedida em 32 ações (18,71%) e
medida cautelar alternativa à detenção em 17 (9,94%).
Para
sustentar a decisão, o Judiciário alegou, entre outros motivos, a
existência de antecedentes criminais ou reincidência (16%); falta de
vínculo com o distrito de culpa (7%); personalidade voltada à prática
delitiva; ausência de ocupação lícita (6%); e indícios da autoria e
materialidade do delito (6%).
Segundo Augusto de Arruda Botelho,
diretor presidente do instituto, esse cenário desenhado pelo
levantamento demonstra que a Lei 12.403/11 “não pegou”. “Juízes não a
aplicam, defensores públicos a deixam de lado e tribunais fecham os
olhos para evidentes ilegalidades”, escreveu, na introdução do
relatório.
Regra e exceção
Sancionada em maio de 2011, a Lei 12.043/11 altera dispositivos do Código de Processo Penal referentes à prisão processual, fiança, liberdade provisória e medidas cautelares. Segundo seu parágrafo 6, do artigo 282, “a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar”.
Sancionada em maio de 2011, a Lei 12.043/11 altera dispositivos do Código de Processo Penal referentes à prisão processual, fiança, liberdade provisória e medidas cautelares. Segundo seu parágrafo 6, do artigo 282, “a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar”.
Mais adiante, no
artigo 319, o dispositivo lista as diferentes modalidades de medidas
cautelares, como comparecimento periódico em juízo; proibição de acesso
ou frequência a determinados lugares, de manter contato com determinadas
pessoas e de ausentar-se da comarca.
O criminalista e presidente da Academia Paulista de Direito Criminal, Romualdo Sanches Calvo Filho,
tem visão similar à de Arruda Botelho. A lei não está sendo aplicada
como deveria, diz ele, "mas como querem alguns incautos e afoitos
magistrados, no afã desabrido de agradar a opinião pública, a qual vê na
prisão a panaceia de todos os males”.
“Infelizmente, no Brasil, a
regra é a manutenção ou decretação de prisão cautelar, nomeadamente a
temporária e a preventiva, quando deveria essa medida drástica ser a
exceção”, acrescenta Calvo Filho.
O também criminalista Alberto Zacharias Toron,
do escritório Toron, Torihara e Szafir Advogados, acredita que os
resultados do relatório são fruto do “amor” que o juiz tem pela prisão
preventiva. Ele compara a situação a de um médico que tem o mesmo
remédio para diversas doenças e acrescenta que a lei vai na contramão do
momento punitivista pelo qual passa o Judiciário.
Já o promotor de Justiça em Minas Gerais, André Luis Alves Melo, afirma que a prisão ocorre porque "se [o acusado é] solto, a defesa começa a ‘enrolar’ o processo para dar prescrição”.
Para
Melo, a solução seria acabar com a prescrição — “assim não adiantaria a
defesa enrolar o processo e recursos” — e com a obrigatoriedade da ação
penal, permitindo ao Ministério Público propor acordos de pena
alternativa.
“Com essas medidas, haveria uma substancial
diminuição do prazo e dos processos, bem como das prisões, mas há
setores que lucram com a demanda processual e não querem mudanças
efetivas”, prossegue.
Perfil dos presos
O relatório também traça um perfil dos 537 presos em flagrante atendidos por um mutirão do instituto, entre novembro de 2011 e julho de 2012, no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros (zona oeste da capital paulista).
O relatório também traça um perfil dos 537 presos em flagrante atendidos por um mutirão do instituto, entre novembro de 2011 e julho de 2012, no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros (zona oeste da capital paulista).
A maioria dos entrevistados tem entre 25 e 34 anos
(42%), com ensino fundamental incompleto (40%) e renda de um a três
salários mínimos (45%). Em relação à cor de pele, 41% declararam-se
pardos, 39%, brancos, e 18%, pretos.
Sobre os motivos da detenção,
o relatório afirma que cerca de 60% foram presos por furto simples e
12% por furto qualificado, segundo os próprios detentos. Já de acordo
com o prontuário, o furto simples figura no topo da lista, com 30%,
seguido pelo furto tentado (28%) e receptação (18%).
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Uso do laudo psiquiátrico no caso Pesseghini: a criminalização da criança pela loucura
Publicado originalmente no Desmilitarização da Polícia e da Política do DF, em 9 de julho de 2014.
Criança louca mata família inteira e se
mata em seguida. Essa foi a narrativa proposta pelo Ministério Público
do Estado de São Paulo, no início do mês de junho passado, quando pediu o
arquivamento do inquérito sobre a morte da família Pesseghini, ocorrida
em 5 de agosto de 2013. Uma das principais provas elencadas no
inquérito para apontar Marcelo, de 13 anos, como autor dos crimes é o
laudo psiquiátrico póstumo do menino: nele, Marcelo é comparado a Dom
Quixote, pois em seu inconsciente “a imaginação e a realidade se
misturam morbidamente”. Apontado como portador de “delírio encapsulado”
devido a uma “encefalopatia” causada por falta de oxigenação no cérebro,
Marcelo teria sido influenciado por jogos de computador para matar a
tiros seu pai e mãe – ambos policiais –, avó e tia-avó e depois se
suicidar.
Apesar da versão mais noticiada do caso
responsabilizar o garoto pelas cinco mortes desde o início das
investigações, as controvérsias que rondam o crime são variadas. Entre o
assassinato dos familiares durante a noite e seu suposto suicídio,
Marcelo teria dirigido o carro da mãe até a escola, dormido dentro do
veículo e comparecido à aula na manhã do dia seguinte. Retornaria depois
de carona à casa, onde se mataria. Segundo seus avós paternos, Marcelo
não sabia atirar nem dirigir, e tinha uma relação amorosa e tranquila
com toda a família. Era uma criança pequena e, sendo ainda portador de
fibrose cística, dificilmente teria a força e destreza necessárias para
atirar na cabeça de quatro adultos com precisão, sem ser por eles
contido – especialmente considerando que seus pais eram policiais
experientes. Os parentes ainda sustentam que as hipóteses de vingança ou
queima de arquivo não foram suficientemente exploradas. Por isso,
contrataram advogada especialista em perícias para contestar a versão da
polícia e, em 5 de junho, conseguiram que o inquérito não fosse
arquivado como pedido pelo MPSP, mas remetido à vara da Infância e
Juventude de São Paulo para novas diligências.
Para além dos embates entre teses
investigativas, uma questão se coloca: mesmo que Marcelo seja culpado, a
utilização do exame psiquiátrico como prova conclusiva permite que se
julgue outra coisa, que não o crime. O exame aponta que o “quadro de
delírios” de Marcelo teria se agravado em 2013, quando ele teria passado
a dizer que queria se tornar um “justiceiro”, um “matador de aluguel de
corruptos”, inspirado no jogo “Assassin’s Creed”. Marcelo teria trocado
sua foto de perfil em uma rede social por imagem de personagem do jogo
um mês antes da morte da família. Em outras fotos, aparece usando um
gorro que seria semelhante ao de outro personagem do mesmo jogo. Nenhuma
dessas condutas é, obviamente, um crime. Tampouco têm qualquer relação
com a morte da família, mas ainda assim são consideradas evidências
relevantes para o processo penal em curso. Enunciar essas
características como determinantes sobre quem é Marcelo no contexto de
uma investigação criminal opera um deslocamento sobre o que se julga: já
não se trata de investigar o delito, mas de analisar o ser que
supostamente o comete. Sendo uma criança, o dobramento que se faz entre o
crime e o sujeito é ainda mais perverso. Suas condutas, gostos e
desejos são reprovados moralmente – como se adulto fosse – e se colam ao
crime: Marcelo não é só a criança que morreu, Marcelo é a criança
suspeita, de personalidade perigosa e delirante.
Um laudo psiquiátrico não tem por função
concluir sobre a autoria de crimes. No Código Penal, o exame de sanidade
mental é previsto para a avaliação da imputabilidade, ou seja: para
aferir o grau de compreensão da ilicitude do ato que o sujeito poderia
ter, em face de possíveis transtornos mentais. Assim sendo, tal exame só
faz sentido se já se concluiu que o sujeito cometeu um ato criminoso,
já que é preciso a existência de um delito e de um agente que o causou
para questionar se é possível puni-lo. No caso da família Pesseghini, o
laudo é posicionado de outra forma: opera para criar o nexo causal entre
Marcelo e as mortes, para pôr em evidência aquilo que, na personalidade
do menino, já seriam as condições de possibilidade de um crime futuro.
Como se pôde fazer um laudo de uma criança morta, para chegar até essa
conclusão? O exame se baseia no resgate de eventos aleatórios da vida
para provar a perversão de um menino que já não está. Ao final, o exame
psiquiátrico afirma que Marcelo já se parecia com seu crime antes de
cometê-lo.
O fato de que um julgamento como esse
seja possível diz algo sobre o funcionamento do poder punitivo: para
reforçar sua legitimidade, o poder judicial recorre a um discurso de
verdade com estatuto de cientificidade – a psiquiatria – para demonstrar
uma loucura punível, que no entanto é mais uma avaliação moral do
sujeito como anormal que outra coisa. O exame psiquiátrico é a
tecnologia de saber-poder que permite essa produção da anormalidade, a
qual será posta em evidência diante do crime. Marcelo pode ou não ter
apertado o gatilho da arma que matou sua família e a si, mas isso já não
é uma questão para o poder: é uma criança louca, e por isso culpada.
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Revista vexatória é proibida em São Paulo
Governador sanciona lei que impede humilhação de familiares em presídios, mas aplicação ainda é desafio
O estado que concentra a maior população carcerária do Brasil acaba de
proibir uma das mais violadoras práticas do sistema prisional
brasileiro: a revista vexatória. A nova lei (15.552/14),
aprovada pela Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) em julho, foi
sancionada pelo governador Geraldo Alckmin e publicada hoje, dia 13,
no Diário Oficial.
A decisão é uma vitória para familiares dos 190 mil presos do estado,
que sofrem repetidas humilhações na entrada dos presídios nos dias de
vista.
Com a nova lei, os estabelecimentos prisionais ficam proibidos de
submeter os visitantes a procedimentos invasivos, como é o caso do
desnudamento, dos repetidos agachamentos sobre um espelho e da inspeção
anal e vaginal. O parágrafo único do artigo 1o afirma que “os
procedimentos de revista dar-se-ão em razão da necessidade de segurança
e serão realizados com respeito à dignidade humana”.
“A aprovação da lei é um grande avanço e, justamente por reconhecer que a
revista vexatória é uma prática humilhante, deve ser imediatamente
aplicada. Mas precisamos alertar que a lei por si só não basta, ela
precisa ser concretizada no mundo real”, afirma Rafael Custódio,
coordenador de Justiça da Conectas. Segundo o texto sancionado por
Alckmin, o governo tem até 180 dias para regulamentar a nova norma
através de um decreto.
Vetos
Os pontos negativos da lei aprovada ficam por conta de dois vetos do
governador. O primeiro determinava que a proibição abrangeria manicômios
judiciais e internação de menores, como é o caso da Fundação Casa. Com o
veto, a revista vexatória fica impedida somente em ‘estabelecimentos
prisionais’.
“A violação de familiares de adolescentes internados não é diferente da
violação cometida contra familiares de presos”, critica Custódio. “Nada
justifica o reconhecimento da violação de um grupo, mas não de outro.
Esse veto viola o princípio constitucional da isonomia.”
O segundo veto retirou do texto parágrafo único impedia a revista
mecânica e eletrônica de gestantes e pessoas portadoras de marca-passo. O
texto original previa que visita poderia ser realizada após realização
de procedimentos alternativos. A lei sancionada não explicita como essas
pessoas poderão ingressar no estabelecimento prisional.
Outros estados
Estados e cidades que já aplicaram proibições totais ou parciais à
revista vexatória não apresentaram aumento nos números de ocorrências
relacionadas à segurança de seus presídios. Goiás, por exemplo, aplica a
chamada “revista humanizada”, que proíbe a nudez. O Espírito Santo
possui norma similar. Depois de decisão inédita do Tribunal de Justiça,
o município de Joinville, em Santa Catarina, instalou scanners
corporais em suas unidades. Recentemente, um juiz de Recife também
proibiu a revista vexatória na cidade.
Outros estados já têm leis que restringem o procedimento, mas ainda não o
aboliram totalmente. É o caso de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul e Paraíba.
Segundo dados coletados
pela Rede de Justiça Criminal com base em documentos oficiais da
Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, apenas 3 em cada
10 mil revistas vexatórias resultam na apreensão de objetos proibidos.
Ao longo de todo o período estudado pela Rede, nenhuma arma foi flagrada
durante o procedimento.
Campanha nacional
A proibição da revista vexatória em São Paulo vem na esteira de um
movimento nacional e internacional de repúdio. Em abril, uma campanha da
Rede Justiça Criminal impulsionou a aprovação de um projeto de lei
federal (7764/14) que acaba com a prática em todo o país. O texto já foi aprovado por unanimidade no Senado e aguarda votação na Câmara.
Ajude a acabar com essa violência: acesse www.fimdarevistavexatoria.org.br e assine a petição.
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Por que as crianças francesas não têm Déficit de Atenção?
Como é que a epidemia do Déficit de Atenção, que tornou-se firmemente estabelecida em vários países do mundo, foi quase completamente desconsiderada com relação a crianças na França?
Nos Estados Unidos, pelo menos 9% das crianças em idade escolar foram
diagnosticadas com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com
Hiperatividade), e estão sendo tratadas com medicamentos. Na França, a
percentagem de crianças diagnosticadas e medicadas para o TDAH é
inferior a 0,5%. Como é que a epidemia de TDAH, que tornou-se firmemente
estabelecida nos Estados Unidos, foi quase completamente desconsiderada
com relação a crianças na França?
TDAH é um transtorno biológico-neurológico? Surpreendentemente, a
resposta a esta pergunta depende do fato de você morar na França ou nos
Estados Unidos. Nos Estados Unidos, os psiquiatras pediátricos
consideram o TDAH como um distúrbio biológico, com causas biológicas. O
tratamento de escolha também é biológico – medicamentos estimulantes
psíquicos, tais como Ritalina e Adderall.
Os psiquiatras infantis franceses, por outro lado, vêem o TDAH como
uma condição médica que tem causas psico-sociais e situacionais. Em vez
de tratar os problemas de concentração e de comportamento com drogas, os
médicos franceses preferem avaliar o problema subjacente que está
causando o sofrimento da criança; não o cérebro da criança, mas o
contexto social da criança. Eles, então, optam por tratar o problema do
contexto social subjacente com psicoterapia ou aconselhamento familiar.
Esta é uma maneira muito diferente de ver as coisas, comparada à
tendência americana de atribuir todos os sintomas de uma disfunção
biológica a um desequilíbrio químico no cérebro da criança.
Os psiquiatras infantis franceses não usam o mesmo sistema de
classificação de problemas emocionais infantis utilizado pelos
psiquiatras americanos. Eles não usam o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
ou DSM. De acordo com o sociólogo Manuel Vallee, a Federação Francesa
de Psiquiatria desenvolveu um sistema de classificação alternativa, como
uma resistência à influência do DSM-3. Esta alternativa foi a CFTMEA (Classification Française des Troubles Mentaux de L’Enfant et de L’Adolescent),
lançado pela primeira vez em 1983, e atualizado em 1988 e 2000. O foco
do CFTMEA está em identificar e tratar as causas psicossociais
subjacentes aos sintomas das crianças, e não em encontrar os melhores
bandaids farmacológicos para mascarar os sintomas.
Na medida em que os médicos franceses são bem sucedidos em encontrar e
reparar o que estava errado no contexto social da criança, menos
crianças se enquadram no diagnóstico de TDAH. Além disso, a definição de
TDAH não é tão ampla quanto no sistema americano, que na minha opinião,
tende a “patologizar” muito do que seria um comportamento normal da
infância. O DSM não considera causas subjacentes. Dessa forma, leva os
médicos a diagnosticarem como TDAH um número muito maior de crianças
sintomáticas, e também os incentiva a tratar as crianças com produtos
farmacêuticos.
A abordagem psico-social holística francesa também permite considerar
causas nutricionais para sintomas do TDAH, especificamente o fato de o
comportamento de algumas crianças se agravar após a ingestão de
alimentos com corantes, certos conservantes, e / ou alérgenos. Os
médicos que trabalham com crianças com problemas, para não mencionar os
pais de muitas crianças com TDAH, estão bem conscientes de que as
intervenções dietéticas às vezes podem ajudar. Nos Estados Unidos, o
foco estrito no tratamento farmacológico do TDAH, no entanto, incentiva
os médicos a ignorarem a influência dos fatores dietéticos sobre o
comportamento das crianças.
E depois, claro, há muitas diferentes filosofias de educação infantil
nos Estados Unidos e na França. Estas filosofias divergentes poderiam
explicar por que as crianças francesas são geralmente mais bem
comportadas do que as americanas. Pamela Druckerman destaca os estilos
parentais divergentes em seu recente livro, Bringing up Bébé. Acredito
que suas idéias são relevantes para a discussão, por que o número de
crianças francesas diagnosticadas com TDAH, em nada parecem com os
números que estamos vendo nos Estados Unidos.
A partir do momento que seus filhos nascem, os pais franceses
oferecem um firme cadre – que significa “matriz” ou “estrutura”. Não é
permitido, por exemplo, que as crianças tomem um lanche quando quiserem.
As refeições são em quatro momentos específicos do dia. Crianças
francesas aprendem a esperar pacientemente pelas refeições, em vez de
comer salgadinhos, sempre que lhes apetecer. Os bebês franceses também
se adequam aos limites estabelecidos pelos pais. Pais franceses deixam
seus bebês chorando se não dormirem durante a noite, com a idade de
quatro meses.
Os pais franceses, destaca Druckerman, amam seus filhos tanto quanto
os pais americanos. Eles os levam às aulas de piano, à prática
esportiva, e os incentivam a tirar o máximo de seus talentos. Mas os
pais franceses têm uma filosofia diferente de disciplina. Limites
aplicados de forma coerente, na visão francesa, fazem as crianças se
sentirem seguras e protegidas. Limites claros, eles acreditam, fazem a
criança se sentir mais feliz e mais segura, algo que é congruente com a
minha própria experiência, como terapeuta e como mãe. Finalmente, os
pais franceses acreditam que ouvir a palavra “não” resgata as crianças
da “tirania de seus próprios desejos”. E a palmada, quando usada
criteriosamente, não é considerada abuso na França.
Como terapeuta que trabalha com as crianças, faz todo o sentido para
mim que as crianças francesas não precisem de medicamentos para
controlar o seu comportamento, porque aprendem o auto-controle no início
de suas vidas. As crianças crescem em famílias em que as regras são bem
compreendidas, e a hierarquia familiar é clara e firme. Em famílias
francesas, como descreve Druckerman, os pais estão firmemente no comando
de seus filhos, enquanto que no estilo de família americana, a situação
é muitas vezes o inverso.
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Consumo de Ritalina no Brasil cresce 775% em dez anos
Droga é usada no tratamento do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.
11/08/2014 | 09h16
Na última década, a importação e a produção do medicamento também cresceram 373% no País
Foto:
Emílio Pedroso / Agencia RBS
Em dez anos, a importação e a produção de metilfenidato - mais conhecido como Ritalina,
um de seus nomes comerciais - cresceram 373% no País. A maior
disponibilidade do medicamento no mercado nacional impulsionou um
aumento de 775% no consumo da droga, usada no tratamento do transtorno
de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Os dados são de pesquisa do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
O remédio é usado sobretudo em crianças e adolescentes, os mais afetados pelo transtorno. Para especialistas, a alta no uso do medicamento reflete maior conhecimento da doença e aumento de diagnósticos, mas também levanta o alerta de uso indevido da substância, até por pessoas saudáveis que buscam aumentar o rendimento em atividades intelectuais.
Em sua tese de doutorado pela UERJ, defendida em maio, a psicóloga Denise Barros compilou os dados dos relatórios anuais sobre substâncias psicotrópicas da Junta Internacional de Controle de Narcóticos, órgão vinculado às Nações Unidas. De acordo com o levantamento, o volume de metilfenidato importado pelo Brasil ou produzido em território nacional passou de 122 kg em 2003 para 578 kg em 2012, alta de 373%. A pesquisadora cruzou os dados da produção e importação e do estoque acumulado em cada ano, dado também disponível nos relatórios, para chegar aos prováveis índices anuais de consumo. De acordo com o levantamento, foram 94 kg consumidos em 2003 contra 875 kg em 2012, crescimento de 775%.
Dados mais recentes obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) confirmam a tendência de alta. Segundo o órgão, o número de caixas de metilfenidato vendidas no Brasil passou de 2,1 milhões em 2010 para 2,6 milhões em 2013.
— Houve um aumento da divulgação da doença e do número de pessoas que passaram a ter acesso ao tratamento, mas há outro fator importante, que é uma maior exigência social de administrar a atenção — afirma a especialista
Ela lembra ainda que há casos de adultos sem o transtorno que tomam o metilfenidato para melhorar a concentração e o foco nos estudos.
—Isso é comum entre concurseiros, vestibulandos, estudantes de Medicina. Pouco se fala sobre isso no Brasil, mas nos Estados Unidos e em algumas partes da Europa, esse uso inadequado já é tratado como um problema de saúde pública — declara.
Diagnóstico
Para o psiquiatra infantil Rossano Cabral Lima, professor da UERJ, a alta no consumo é motivo de alerta porque o diagnóstico de TDAH nem sempre é acompanhado de uma investigação aprofundada das possíveis causas do comportamento incomum da criança.
— Apesar de a medicação ser importante em alguns casos, o diagnóstico rápido de TDAH e o tratamento medicamentoso parecem ter se tornado a solução mais rápida e fácil de vários problemas, sem que a origem deles seja analisada a fundo. Não se questiona se a inquietude da criança pode estar relacionada a alguma questão da escola, se é uma resposta a algo que ela não está sabendo lidar — diz o especialista.
Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva, afirma que, apesar da alta no consumo, ainda há milhares de brasileiros com TDAH sem tratamento.
— Com o crescimento do acesso à medicação, estamos talvez começando a adequar a proporção de pessoas com o transtorno e pacientes tratados. Mas hoje, infelizmente, ainda temos subtratamento de TDAH — declarou o presidente da ABP
O especialista cita também um estudo publicado em 2012 na Revista Brasileira de Psiquiatria que apontou que apenas 19% dos brasileiros com TDAH fazem o tratamento com medicação.
O remédio é usado sobretudo em crianças e adolescentes, os mais afetados pelo transtorno. Para especialistas, a alta no uso do medicamento reflete maior conhecimento da doença e aumento de diagnósticos, mas também levanta o alerta de uso indevido da substância, até por pessoas saudáveis que buscam aumentar o rendimento em atividades intelectuais.
Em sua tese de doutorado pela UERJ, defendida em maio, a psicóloga Denise Barros compilou os dados dos relatórios anuais sobre substâncias psicotrópicas da Junta Internacional de Controle de Narcóticos, órgão vinculado às Nações Unidas. De acordo com o levantamento, o volume de metilfenidato importado pelo Brasil ou produzido em território nacional passou de 122 kg em 2003 para 578 kg em 2012, alta de 373%. A pesquisadora cruzou os dados da produção e importação e do estoque acumulado em cada ano, dado também disponível nos relatórios, para chegar aos prováveis índices anuais de consumo. De acordo com o levantamento, foram 94 kg consumidos em 2003 contra 875 kg em 2012, crescimento de 775%.
Dados mais recentes obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) confirmam a tendência de alta. Segundo o órgão, o número de caixas de metilfenidato vendidas no Brasil passou de 2,1 milhões em 2010 para 2,6 milhões em 2013.
— Houve um aumento da divulgação da doença e do número de pessoas que passaram a ter acesso ao tratamento, mas há outro fator importante, que é uma maior exigência social de administrar a atenção — afirma a especialista
Ela lembra ainda que há casos de adultos sem o transtorno que tomam o metilfenidato para melhorar a concentração e o foco nos estudos.
—Isso é comum entre concurseiros, vestibulandos, estudantes de Medicina. Pouco se fala sobre isso no Brasil, mas nos Estados Unidos e em algumas partes da Europa, esse uso inadequado já é tratado como um problema de saúde pública — declara.
Diagnóstico
Para o psiquiatra infantil Rossano Cabral Lima, professor da UERJ, a alta no consumo é motivo de alerta porque o diagnóstico de TDAH nem sempre é acompanhado de uma investigação aprofundada das possíveis causas do comportamento incomum da criança.
— Apesar de a medicação ser importante em alguns casos, o diagnóstico rápido de TDAH e o tratamento medicamentoso parecem ter se tornado a solução mais rápida e fácil de vários problemas, sem que a origem deles seja analisada a fundo. Não se questiona se a inquietude da criança pode estar relacionada a alguma questão da escola, se é uma resposta a algo que ela não está sabendo lidar — diz o especialista.
Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva, afirma que, apesar da alta no consumo, ainda há milhares de brasileiros com TDAH sem tratamento.
— Com o crescimento do acesso à medicação, estamos talvez começando a adequar a proporção de pessoas com o transtorno e pacientes tratados. Mas hoje, infelizmente, ainda temos subtratamento de TDAH — declarou o presidente da ABP
O especialista cita também um estudo publicado em 2012 na Revista Brasileira de Psiquiatria que apontou que apenas 19% dos brasileiros com TDAH fazem o tratamento com medicação.
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30 julho 2014
Filósofo russo já morto é citado como suspeito em inquérito no Rio de Janeiro
Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, Mikhail Bakunin, considerado um dos fundadores do anarquismo, foi classificado como um “potencial suspeito” pela polícia carioca, que investiga manifestantes e ativistas
Por Redação
Reportagem publicada nesta segunda-feira (28) no jornal Folha de S. Paulo traz uma revelação no mínimo curiosa: o inquérito de mais de 2 mil páginas, produzido pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, que responsabiliza 23 pessoas pela organização de ações violentas em manifestações de rua, aponta o filósofo Mikhail Bakunin como um dos suspeitos. Morto em 1876, o russo é considerado um dos pais do anarquismo.
De acordo com a matéria, Bakunin foi citado por um manifestante em uma mensagem interceptada pela polícia. A partir daí, passou a ser classificado como um “potencial suspeito”. A professora Camila Jourdan, de 34 anos, uma das investigadas, menciona esse episódio para demonstrar a fragilidade do inquérito. “Do pouco que li, posso dizer que esse processo é uma obra de literatura fantástica de má qualidade”, descreve.
Essa não é a primeira vez que intelectuais já falecidos figuram em autos das autoridades brasileiras. Durante a ditadura militar, Karl Marx era um dos fichados no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), um dos principais órgãos de repressão aos movimentos políticos e sociais identificados como “subversivos”.
Jourdan ficou 13 dias presa no complexo penitenciário de Bangu, na zona oeste do Rio. Conhecida pela excelência acadêmica na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde coordena o programa de pós-graduação em filosofia, ela diz sido alvo de uma invenção dos investigadores. “Existe uma necessidade de se fabricar líderes para essas manifestações. E quem se encaixa muito bem no papel de mentora intelectual? A professora universitária. Caiu como uma luva, entendeu?”, afirma.
Para contestar o “papel de liderança” que lhe foi atribuído pela polícia, a professora se vale das teorias do filósofo francês Michael Foucault. “Foucault diz que os intelectuais descobriram que as massas não precisam deles como interlocutores. Não tenho autoridade para falar sobre a opressão de ninguém. O movimento não precisa de mim para este papel”, declara.
Foto de capa: Wikicommons
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320. Balada de Gisberta
Gilberto Salce Júnior, ou melhor, a transsexual brasileira Gilberta foi assassinada na cidade do Porto, em Portugal, em fevereiro de 2006. Antes, durante dois dias, sofreu todo tipo de violência verbal e física, mantida sob cárcere, por um grupo de adolescentes (entre 12 e 16 anos de idade).
A "Balada de Gisberta", de Pedro Abrunhosa, restitui à personagem sua condição humana, destroçada; leva-nos, com tais informações extras, a pensar sobre as políticas públicas de segurança e respeito mútuo universais; e guarda de menores.
Cantada em primeira pessoa, a canção, com suas porções generosas de fantasia, realidade e delírio, pergunta: Qual é a participação de cada um de nós (ouvintes: tocados e chocados) neste monstruoso assassinato? O que motiva tais gestos? Corpo profanado pelas crianças-carrascos, que dizem estar "brincando", Gisberta exige resposta, ação e mudança coletiva e efetiva.
É com esta canção que Maria Bethânia fecha o primeiro ato de seu show Amor Festa Devoção (guardado em disco de mesmo nome, 2010). Transfigurada em Gisberta (a sem nome, sem sexo: só paixão e queda) a cantora imprime o tom mais que perfeito para marcar a saída de cena: quando perigo e encanto; alerta e convite nos envolvem.
Moradora de rua, arrastada, depois da tortura, para ser arremessada dentro de um poço d'água e morrer afogada, Gisberta é símbolo e signo de nossa condição (des)humana. Aliás, ela seria queimada viva, mas a água, ao invés do fogo, pareceu ser um final "melhor": já que o corpo afundaria, apagando para sempre a imagem de Gisberta e da "brincadeira infantil".
A água e seu mugido fez de Gisberta a sereia que não nos deixa esquecer o quão longe estamos do amor (potência sempre em desenvolvimento) coletivo. Se só o (trans)amor é real, Gisberta o chama: mesmo que ele esteja tão longe.
O amor é tão longe! Há limite para a brincadeira? Qual? O fato de Gisberta ser soropositiva e toxicodependente, como sugeriram alguns advogados? Quem matou Gisberta? A água ou as crianças?, perguntou o Ministério Público. Homicídio ou afogamento?
Importa mesmo saber? O fato é que todos (indistintamente) precisamos rever conceitos, pois, enquanto enche-se as micaretas LGBT, Gisbertas à mancheia morrem. Alguma coisa está fora da ordem faz tempo: militantes, ou não, precisam perceber isso.
"Perdi-me do nome, hoje podes chamar-me de tua", diz a Gisberta que fala na canção. Ela é uma legião: carrega na voz a multidão de marginalizados, que servem apenas para dançar em palácios, oferecer-se a mil homens, e logo depois ser descartados.
Urge responder à altura: dialogar e dizer a Gisberta que, acima dos fundamentalismos, ainda vale a pena e é possível sonhar e realizar dias melhores, sem juízos finais. Agora. Pois o céu da felicidade, de cada um e de todos, não pode esperar.
Cantada em primeira pessoa, a canção, com suas porções generosas de fantasia, realidade e delírio, pergunta: Qual é a participação de cada um de nós (ouvintes: tocados e chocados) neste monstruoso assassinato? O que motiva tais gestos? Corpo profanado pelas crianças-carrascos, que dizem estar "brincando", Gisberta exige resposta, ação e mudança coletiva e efetiva.
É com esta canção que Maria Bethânia fecha o primeiro ato de seu show Amor Festa Devoção (guardado em disco de mesmo nome, 2010). Transfigurada em Gisberta (a sem nome, sem sexo: só paixão e queda) a cantora imprime o tom mais que perfeito para marcar a saída de cena: quando perigo e encanto; alerta e convite nos envolvem.
Moradora de rua, arrastada, depois da tortura, para ser arremessada dentro de um poço d'água e morrer afogada, Gisberta é símbolo e signo de nossa condição (des)humana. Aliás, ela seria queimada viva, mas a água, ao invés do fogo, pareceu ser um final "melhor": já que o corpo afundaria, apagando para sempre a imagem de Gisberta e da "brincadeira infantil".
A água e seu mugido fez de Gisberta a sereia que não nos deixa esquecer o quão longe estamos do amor (potência sempre em desenvolvimento) coletivo. Se só o (trans)amor é real, Gisberta o chama: mesmo que ele esteja tão longe.
O amor é tão longe! Há limite para a brincadeira? Qual? O fato de Gisberta ser soropositiva e toxicodependente, como sugeriram alguns advogados? Quem matou Gisberta? A água ou as crianças?, perguntou o Ministério Público. Homicídio ou afogamento?
Importa mesmo saber? O fato é que todos (indistintamente) precisamos rever conceitos, pois, enquanto enche-se as micaretas LGBT, Gisbertas à mancheia morrem. Alguma coisa está fora da ordem faz tempo: militantes, ou não, precisam perceber isso.
"Perdi-me do nome, hoje podes chamar-me de tua", diz a Gisberta que fala na canção. Ela é uma legião: carrega na voz a multidão de marginalizados, que servem apenas para dançar em palácios, oferecer-se a mil homens, e logo depois ser descartados.
Urge responder à altura: dialogar e dizer a Gisberta que, acima dos fundamentalismos, ainda vale a pena e é possível sonhar e realizar dias melhores, sem juízos finais. Agora. Pois o céu da felicidade, de cada um e de todos, não pode esperar.
***
Balada de Gisberta
(Pedro Abrunhosa)
Perdi-me do nome,
Hoje podes chamar-me de tua,
Dancei em palácios,
Hoje danço na rua.
Vesti-me de sonhos,
Hoje visto as bermas da estrada,
De que serve voltar
Quando se volta p’ró nada.
Eu não sei se um anjo me chama,
Eu não sei dos mil homens na cama
E o céu não pode esperar.
Eu não sei se a noite me leva,
Eu não ouço o meu grito na treva,
E o fim vem-me buscar.
Sambei na avenida,
No escuro fui porta-estandarte,
Apagaram-se as luzes,
É o futuro que parte.
Escrevi o desejo,
Corações que já esqueci,
Com sedas matei
E com ferros morri.
Trouxe pouco,
Levo menos,
E a distância até ao fundo é tão pequena,
No fundo, é tão pequena,
A queda.
E o amor é tão longe,
O amor é tão longe
E a dor é tão perto.
(Pedro Abrunhosa)
Perdi-me do nome,
Hoje podes chamar-me de tua,
Dancei em palácios,
Hoje danço na rua.
Vesti-me de sonhos,
Hoje visto as bermas da estrada,
De que serve voltar
Quando se volta p’ró nada.
Eu não sei se um anjo me chama,
Eu não sei dos mil homens na cama
E o céu não pode esperar.
Eu não sei se a noite me leva,
Eu não ouço o meu grito na treva,
E o fim vem-me buscar.
Sambei na avenida,
No escuro fui porta-estandarte,
Apagaram-se as luzes,
É o futuro que parte.
Escrevi o desejo,
Corações que já esqueci,
Com sedas matei
E com ferros morri.
Trouxe pouco,
Levo menos,
E a distância até ao fundo é tão pequena,
No fundo, é tão pequena,
A queda.
E o amor é tão longe,
O amor é tão longe
E a dor é tão perto.
Clique aqui para acessar a matéria no blog 365 Canções
18 maio 2014
Movimento Nacional de Luta Antimanicomial
O
Movimento da Luta Antimanicomial nasceu no Encontro Nacional de Trabalhadores
da Saúde Mental, em 1987, em Baurú, com o lema “por uma sociedade sem
manicômios”. Denunciava-se abusos e violação de direitos humanos sofridos pelos
usuários da saúde mental dentro dos manicômios. Lutava-se pelo fim desse tipo
de tratamento e pela instalação de serviços alternativos.
Uma das conquistas desse movimento foi a Lei 10.216/2001, que determina o
fechamento progressivo dos hospitais psiquiátricos e a instalação de serviços
substitutivos. Desde então, o Brasil tem fechado leitos psiquiátricos e aberto
serviços substitutivos: os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), as
Residências Terapêuticas, Programas de Redução de Danos, Centros de
Convivências, as Oficinas de Geração de Renda, etc.
O Movimento Nacional de Luta Antimanicomial caracteriza-se pelo seu caráter
democrático, contando com a participação ativa e efetiva dos usuários de
serviços de saúde mental, seus familiares, profissionais, estudantes e
quaisquer interessados em defender uma postura de respeito aos diferentes modos
de ser e a transformação da relação cultural da sociedade com as pessoas que
sofrem por transtornos mentais.
O Movimento tem núcleos em todos os estados do país, sendo todos autônomos,
propositadamente sem uma hierarquia. Atualmente, o Movimento tem uma Secretaria
Nacional Colegiada que se encarrega da articulação nacional e de projetos
diversos. E de dois em dois anos realiza encontros nacionais que procuram
reunir todos os militantes para deliberar, de forma democrática, seus
princípios e ações.
Clique aqui para acessar a matéria no blog do Movimento Nacional de Luta Antimanicomial
17 maio 2014
O que se comemora amanhã: Dia Nacional da Luta Antimanicomial
SEQÜELAS...E...SEQÜELAS
Seqüelas não acabam com o tempo. Amenizam.
Quando passam em minha mente as horas de espera, sinceramente, tenho dó de mim.
Nó na garganta, choro estagnado, revolta acompanhada de longo suspiro.
Ainda hoje, anos depois, a espera é por demais agoniante.
Horas, minutos, segundos são eternidades martirizantes.
Não começam hoje, adormeceram, a muito custo...comigo.
Esta espera, oh Deus! É como nunca pagar o pecado original.
É ser condenado a morte varias vezes.
Quem disse que só se morre uma vez?
Sentidos se misturam, batidas cardíacas invadem a audição.
Aspirada à respiração não é...é intronchada. Os nervos já não tremem...dão
solavancos. A espera está acabando. Ouço barulho de rodinhas.
A todo custo, quero entrar na parede. Esconder-me, fazer parte do cimento do quarto.
Olhos na abertura da porta rodam a fechadura. Já não sei quem e o que sou. Acuado,
tento fuga alucinante. Agarrado, imobilizado...escuto parte do
meu gemido.
Quem disse que só se morre uma vez?
Austregésilo Carrano
Poema das 4 horas de espera para ser eletrocutado...(aplicação da eletroconvulsoterapia)
Do livro O Canto dos Malditos de Austregésilo Carrano.
03 maio 2014
Dom Tomás, o eterno militante da causa indígena
Dom Tomás, o eterno
militante da causa indígena
03/05/2014.
Fonte: Cimi - Conselho Indigenista Missionário
Fonte: Cimi - Conselho Indigenista Missionário
Dom Tomáz participando da XIX Assembleia-Geral do CIMI em 2011. Luziânia (GO), Centro de Formação Vicente Cañas |
Às
23hs30min de ontem, dia 2 de maio, disse-nos adeus o incansável guerrilheiro
das grandes causas da humanidade. Profeta e conselheiro, estrategista e
sonhador, Dom Tomás foi um homem de muitas causas. Assim como a mensagem do
Evangelho, nunca se deixou limitar pelas fronteiras, ultrapassou todas elas
para defender a vida. Nessa sua missão transfronteiriça assumiu as lutas dos
povos indígenas como uma das suas prioridades. Por essa razão, percorreu todo o
Brasil para apoiar as justas reivindicações dos povos originários em defesa de
seus territórios tradicionais e de suas formas próprias de vida. Depois de ter
participado da fundação do Cimi e ter exercido a função de vice-presidente e
presidente, tornou-se padrinho honorário da entidade. Sua partida nos deixa
grande saudade provocada pelo sentimento de perda, mas nossa certeza na
ressureição nos consola e nos torna conscientes de que seu compromisso com causa
dos indígenas, assim como com a causa de todos os povos agora será eterno.
Brasília,
DF, 3 de maio de 2014.
Cimi
- Conselho Indigenista Missionário
Informações
sobre a celebração de despedida:
O
Corpo será velado na Igreja São Judas Tadeu, no Setor Coimbra, em Goiânia, até
às 10 horas do domingo, dia 4, momento em que será concelebrada a Eucaristia, e
logo em seguida será transladado para a cidade de Goiás, onde será velado na
Catedral até às 9 horas da 2ª feira, dia 5, e logo em seguida será sepultado na
própria Catedral.
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