08 junho 2011

Reconhecimento e Participação Política dos Povos Indígenas nos Estados Latinoamericanos Contemporâneos

Projeto de Pesquisa n.º

Título: Reconhecimento e Participação Política dos Povos Indígenas nos Estados Latinoamericanos Contemporâneos.
Coordenador do Projeto: Prof.ª Rosane Freire Lacerda (Direito, CAJ/UFG)
Duração do Projeto: 08.06.2011 a 31.12.2011

OBJETO:

O presente projeto de pesquisa tem por objeto a questão do reconhecimento das experiências e das demandas dos povos indígenas por autonomia e por participação política no marco dos Estados latinoamericanos contemporâneos.

JUSTIFICATIVA:

Desde os primeiros contatos com o mundo ocidental em finais do século XV, ficou assentado o não reconhecimento da existência, entre os povos indígenas do continente americano, de instituições jurídicas e políticas próprias: povos “sem lei nem rei”, como afirmaria Gandavo (1576). A modernidade consolidaria a idéia da ausência da política no mundo indígena, e ao longo do Século XIX, suas experiências e instituições políticas ficariam completamente à margem da construção dos chamados Estados nacionais. Na perspectiva desenvolvida a partir de Morgan (1877) e disseminada com Engels (1884), seriam apenas unidades pré-políticas, uma idéia que só no Século XX, com os estudos de Antropologia Social, começaria a mudar: inicialmente com Boas (1940) e Malinowski (1926) (fase “científica”), e depois com Shallins (1972), Clastres (1974) e Geertz (1983) (fase pós-colonialista).

A partir das décadas de 1970 e 1980, a abertura das ciências sociais para a compreensão da importância política das formas de vida não-ocidentais encontrou correspondência, no caso da América Latina, nas lutas dos movimentos sociais por liberdade e igualdade material. Trataram-se, no caso dos movimentos indígenas, de lutas políticas marcadas por forte carga de afirmação e de reivindicações por reconhecimento identitário. No bojo destas reivindicações cresceram e se disseminaram duas importantes demandas indígenas aqui colocadas como preocupação deste projeto de pesquisa: as demandas tanto por autonomia quanto por representação política no marco dos Estados nacionais. Embora expressas desde a década de 70, estas reivindicações só alcançariam maior visibilidade ao longo da primeira década do Século XXI, com a retomada dos processos constitucionais, sobretudo em países da América do Sul, e mais recentemente, no rastro das disputas eleitorais à presidência da República em países de expressiva presença indígena. Se as disputas em torno das elaborações constitucionais fizeram emergir e incorporar toda uma agenda de questões identitárias há muito sufocadas, secularmente excluídas (casos de Nicarágua, Brasil, Argentina, Colômbia, etc.), os contextos nos quais se inseriram determinadas disputas eleitorais revelaram a existência dos povos indígenas como novos e importantes atores políticos (casos de Bolívia e Equador). No cerne das reivindicações localizou-se o desejo, externado por um movimento indígena cada vez mais atuante, de reconhecimento: a) das instituições políticas próprias dos chamados povos originários; b) da legitimidade e da viabilidade de representação política específica de tais povos junto às instâncias regionais e nacionais de natureza parlamentar, e de sua ativa participação na consolidação das experiências democráticas em seus países, e c) de sua autonomia política e jurídica em relação aos respectivos estados ditos nacionais.

Este leque de questões traz para a teoria política contemporânea novos problemas e desafios, bem como novas possibilidades de observação e análise para determinados fenômenos. Grupos sociais não ocidentais, não urbanos, não industrializados, antes considerados no nível do pré-político e assim excluídos da esfera de preocupações da Ciência Política, surgem agora como atores de importantes questões no âmbito das relações de poder no marco dos estados ditos nacionais, que não mais podem ser desconsiderados.

Nesta pesquisa pretendemos abordar como os fenômenos políticos relacionados aos povos indígenas da América Latina podem oferecer interessantes e inovadoras contribuições às ciências sociais aplicadas quando analisados sob a perspectiva da Teoria Política Contemporânea, especialmente em relação às questões ligadas às teorias do reconhecimento, às teorias sobre as práticas participativas da sociedade civil, e às novas teorias de representação política (Araújo & Assumpção, 2010).

PROBLEMA:

Para a sua abordagem são colocados os seguintes problemas:

a) Qual a importância atual dos movimentos indígenas na América Latina enquanto atores políticos?

b) Como as demandas atuais dos movimentos indígenas na América Latina têm contribuído para o surgimento de novos conceitos de Democracia, Estado e Representação Política?

c) Qual a relação entre as principais experiências e demandas políticas atuais dos povos indígenas na América Latina e a Teoria Política contemporânea no marco das questões ligadas às teorias sobre pluralismo e sobre grupos de pressão e de interesse?

HIPÓTESE:

A hipótese aqui colocada é a de que as experiências políticas vivenciadas pelos povos indígenas da América Latina ao longo das últimas três décadas têm contribuído de modo significativo para a construção de novas concepções de participação política, abrindo perspectivas em torno da formulação dos conceitos de Estado plurinacional e de democracia comunitário-participativa.

OBJETIVO:

O projeto tem por objetivo geral analisar a questão da importância da participação política dos povos indígenas na América Latina, considerando as experiências travadas nos últimos trinta anos no sentido da abertura de espaços de participação política na vida nacional de seus respectivos países, e os esforços vivenciados na busca pelo reconhecimento de seus povos enquanto sujeitos políticos autônomos, analisando como estas experiências, em suas conquistas e desafios, têm levado a Teoria Política contemporânea a repensar os modelos vigentes de democracia e de estado-nação.

MARCO TEÓRICO:

A pesquisa tem por base uma das correntes relativas ao Pluralismo em Teoria Política Contemporânea, mais especificamente o modelo desenvolvido por Chantal Mouffe de “Democracia Agonística”. A pesquisa parte da premissa de que a difundida idéia das comunidades indígenas como sociedades “pré-políticas” encontra-se superada pelas mais atuais pesquisas na área das ciências sociais aplicadas, e de que estas comunidades têm conquistado, nos últimos trinta anos, importantes reconhecimentos tanto em relação à legitimidade de sua participação política no marco dos estados respectivos, quanto no sentido de sua autonomia política em face destes mesmos estados.

CONTRIBUIÇÕES:

A pesquisa pretende contribuir para:

a) ampliar os esforços no sentido de se tornar mais visível o papel político recentemente assumido pelos movimentos indígenas na América Latina;

b) auxiliar no fornecimento de elementos concretos e teóricos com vistas ao avanço da compreensão da importância e dos limites atuais da dimensão política dos movimentos indígenas latino-americanos no âmbito da Teoria Política contemporânea;

c) ampliar e estimular a participação do Brasil nos debates acadêmicos em torno da questão.

REFERÊNCIAS:

ARAÚJO, Cícero & ASSUMPÇÃO, San Romanelli (2010). Teoria Política no Brasil Hoje. In: Carlos Benedito Martins (Coord.). Horizontes das Ciências Sociais no Brasil: Ciência Política. São Paulo: ANPOCS, 2010; pp.51-85.

BACKES, Ana Luísa e AZEVEDO, Débora Bitiah (2009). Orgs. Audiências Públicas na Assembléia Nacional Constituinte: a sociedade na tribuna. Brasília: Câmara dos Deputados. Coleções Especiais – Edições Comemorativas 03; 2009.

BOAS, Franz (1940). Race, Language and Culture. New York: The Macmillan Company. CLASTRES, Pierre (1974). A Sociedade contra o Estado. Pesquisas de Antropologia Política. Tradução de Theo Santiago. 2.ª ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1978.

ENGELS, Friedrich (1884). A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. 13.ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

GANDAVO, Pero de Magalhães (1576). Tratado da Terra do Brasil. Brasília: MEC / Departamento Nacional do Livro.

GEERTZ, Cliford (1983). O Saber Local. Novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997.

GIL, Antônio Carlos (1987-a). Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 4.ª ed. São Paulo: Atlas, 1994.

____ (1987-b). Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 4.ª ed., São Paulo: Atlas, 2002.

LACERDA, Rosane Freire (2009). Diferença não é Incapacidade: o mito da tutela indígena. São Paulo: Editora Baraúna, 2009.

______ (2008). Os Povos Indígenas e a Constituinte. Brasília: Cimi, 2008.

LACLAU, Ernest e MOUFFE, Chantal (1985). Hegemony and Socialist Estrategy : Towards a Radical Democratic Politics. London: Verso.

MALINOWSKI, Bronislaw (1926). Crime e Costume na Sociedade Selvagem. Brasília: Editora da UnB; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2003.

MERTON, Robert K. (1964) Teoría y estructura sociales. Trad. Florentino M. Torner. México: Fondo de Cultura Económica.

MORGAN, Lewis Henry (1877). Ancient Society, or Researches in the lines of Human Progress from Savagery through Barbarism to Civilization. Calcutta: Bharti Library, 1944.

MOUFFE, Chantal (2003). Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v.1, n.º3, p.11-26, out. 2003

______ (2005). Por um Modelo Agonístico de Democracia. In: Dossiê Democracias e Autoritarismos. Revista de Sociologia e Política n.º 25, Curitiba nov. 2005.

PALAVRAS-CHAVE:
Povos Indígenas – Participação política

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