STJ firma jurisprudência em defesa das minorias
Uma das bases fundamentais dos direitos 
humanos é o princípio de que todas as pessoas nascem livres e iguais em 
dignidade e direitos. Discriminação e perseguição com base em raça, 
etnia ou opção sexual são claras violações desse princípio. Assim, não é
 de estranhar a quantidade de pedidos que a Justiça brasileira tem 
recebido de indivíduos pertencentes às chamadas “minorias” – como os 
homossexuais, negros, índios, portadores do vírus HIV ou de necessidades
 especiais, entre outros –, que buscam no Judiciário a proteção 
institucional de seus interesses. 
Ao longo de sua história, o 
Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem firmando jurisprudência em prol 
dessas “minorias”, como, por exemplo, ao reconhecer a possibilidade de 
união estável e até mesmo de casamento civil entre pessoas do mesmo 
sexo, ou ao determinar o pagamento de dano moral a uma comunidade 
indígena, alvo de conflitos com colonos em assentamento irregular nas 
terras dos índios. 
O STJ também, em decisão inédita, já 
classificou discriminação e preconceito como racismo, além de entender 
que é cabível a isenção de tarifa de transporte público para portador do
 vírus HIV. 
O papel do STJ na efetivação dos direitos desses 
segmentos da sociedade tem sido reconhecido não só no meio jurídico, 
mas em todos os lugares onde existam pessos dispostas a combater a 
discriminação. “O STJ detém o título de Tribunal da Cidadania e, quando 
atua garantindo direitos de maneira contramajoritária, cumpre um de seus
 mais relevantes papéis”, afirma o ministro Luis Felipe Salomão. 
Relações homoafetivas
Em
 decisão inédita, a Quarta Turma do STJ reconheceu a possibilidade de 
habilitação de pessoas do mesmo sexo para o casamento civil. O colegiado
 entendeu que a dignidade da pessoa humana, consagrada pela 
Constituição, não é aumentada nem diminuída em razão do uso da 
sexualidade, e que a orientação sexual não pode servir de pretexto para 
excluir famílias da proteção jurídica representada pelo casamento (REsp 
1.183.378). 
Segundo o relator do recurso, ministro Luis Felipe 
Salomão, o raciocínio utilizado, tanto pelo STJ quanto pelo Supremo 
Tribunal Federal (STF), para conceder aos pares homoafetivos os direitos
 decorrentes da união estável, deve ser utilizado para lhes franquear a 
via do casamento civil, “mesmo porque é a própria Constituição Federal 
que determina a facilitação da conversão da união estável em casamento”,
 afirmou. 
O mesmo colegiado, em abril de 2009, proferiu outra 
decisão inovadora para o direito de família. Por unanimidade, os 
ministros mantiveram decisão que permitiu a adoção de duas crianças por 
um casal de mulheres. 
Seguindo o voto do ministro Luis Felipe 
Salomão, a Turma reafirmou entendimento já consolidado pelo STJ: nos 
casos de adoção, deve prevalecer sempre o melhor interesse da criança. 
“Esse julgamento é muito importante para dar dignidade ao ser humano, 
para o casal e para as crianças”, afirmou. 
Entretanto, o STJ 
sempre deu amparo judicial às relações homoafetivas. O primeiro caso 
apreciado no STJ, em fevereiro de 1998, foi relatado pelo ministro Ruy 
Rosado de Aguiar, hoje aposentado. O ministro decidiu que, em caso de 
separação de casal homossexual, o parceiro teria direito de receber 
metade do patrimônio obtido pelo esforço mútuo (REsp 148.897). 
Também
 foi reconhecido pela Sexta Turma do Tribunal o direito de o parceiro 
receber a pensão por morte de companheiro falecido (REsp 395.904). O 
entendimento, iniciado pelo saudoso ministro Hélio Quaglia Barbosa, é 
que o legislador, ao elaborar a Constituição Federal, não excluiu os 
relacionamentos homoafetivos da produção de efeitos no campo de direito 
previdenciário, o que é, na verdade, mera lacuna que deve ser preenchida
 a partir de outras fontes do direito. 
Em outra decisão, a 
Terceira Turma do STJ negou recurso da Caixa Econômica Federal que 
pretendia impedir um homossexual de colocar o seu companheiro de mais de
 sete anos como dependente no plano de saúde (REsp 238.715). O colegiado
 destacou que a relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à 
união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de 
assistência médica. 
Racismo 
O recurso 
pioneiro sobre o tema, julgado pelo STJ, tratou de indenização por danos
 morais devido a agressões verbais manifestamente racistas (REsp 
258.024). A Terceira Turma confirmou decisão de primeiro e segundo graus
 que condenaram o ofensor a indenizar um comerciário - que instalava um 
portão eletrônico para garantir a proteção dos moradores da vila onde 
morava - em 25 salários mínimos. 
Outro caso que chamou a atenção
 foi o julgamento, pela Quinta Turma, de um habeas corpus, ocasião em 
que o STJ, em decisão inédita, classificou discriminação e preconceito 
como racismo (HC 15.155). O colegiado manteve a condenação de um editor 
de livros por editar e vender obras com mensagens antissemitas. A 
decisão foi uma interpretação inédita do artigo 20 da Lei 7.716/89, que 
pune quem praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de
 raça. 
Em outro habeas corpus, o mesmo colegiado determinou que 
dois comissários de bordo de uma empresa aérea, acusados de racismo, 
prestassem depoimento à Justiça brasileira no processo a que respondiam 
(HC 63.350). A Quinta Turma negou pedido para que eles fossem 
interrogados nos Estados Unidos, onde residem. 
Segundo o relator
 do processo, ministro Felix Fischer, a Turma manteve a ação penal por 
entender que a intenção dos comissários foi humilhar o passageiro 
exclusivamente pelo fato de ele ser brasileiro. A ideia do ofensor foi 
ressaltar a superioridade do povo americano e a condição inferior do 
provo brasileiro. 
O STJ também já firmou jurisprudência quanto à
 legalidade e constitucionalidade das políticas de cotas. Em uma delas, 
em que o relator foi o ministro Humberto Martins, a Segunda Turma 
manteve a vaga, na universidade, de uma aluna negra que fez parte do 
ensino médio em escola privada devido a bolsa de estudos integral (REsp 
1.254.118). 
O colegiado considerou que a exclusão da aluna 
acarretaria um prejuízo de tal monta que não seria lícito ignorar, em 
face da criação de uma mácula ao direito à educação, direito esse 
marcado como central ao princípio da dignidade da pessoa humana. “A 
aluna somente teve acesso à instituição particular porque possuía bolsa 
de estudos integral, o que denota uma situação especial que atrai a 
participação do estado como garantidor desse direito social”, assinalou o
 relator. 
Índios
Dezenas de etnias já 
circularam pelas páginas de processos analisados pelo STJ. Uma das 
principais questões enfrentadas pelo Tribunal diz respeito à competência
 para processamento de ações que tenham uma pessoa indígena como autor 
ou vítima. A Súmula 140 da Corte afirma que compete à Justiça estadual 
atuar nesses casos. No entanto, quando a controvérsia envolve interesse 
indígena, há decisões no sentido de fixar a competência na Justiça 
Federal. Esse entendimento segue o disposto na Constituição Federal 
(artigos 109, IX, e 231). 
Em processos sobre demarcação, o STJ 
já decidiu que o mandado de segurança é um tipo de ação que não se 
presta a debater a matéria. Quando a escolha é esse caminho processual, o
 direito líquido e certo deve estar demonstrado de plano (MS 8.873), o 
que não ocorre nesses casos. O Tribunal também reconheceu a 
obrigatoriedade de ouvir o Ministério Público em processos de demarcação
 em que se discute concessão de liminar (REsp 840.150). 
A 
possibilidade de pagamento de dano moral a uma comunidade indígena foi 
alvo de controvérsia no STJ. Em abril de 2008, o estado do Rio Grande do
 Sul tentou, sem sucesso, a admissão de um recurso em que contestava o 
pagamento de indenização (Ag 1022693). O poder público teria promovido 
um assentamento irregular em terras indígenas, e a Justiça gaúcha 
entendeu que houve prejuízo moral em razão do período de conflito entre 
colonos e comunidade indígena. A Primeira Turma considerou que reavaliar
 o caso implicaria reexame de provas e fatos, o que não é possível em 
recurso especial. 
Outra questão julgada pelo Tribunal foi com 
relação à legitimidade do cacique para reivindicar judicialmente direito
 coletivo da tribo (MS 13248). Segundo o STJ, apesar de ser o líder da 
comunidade indígena, isso não lhe garante a legitimidade. O relator do 
caso, ministro Castro Meira, observou que a intenção do mandado de 
segurança impetrado pelo cacique era defender o direito coletivo, o que é
 restrito, de acordo com a Constituição Federal, a partido político com 
representação no Congresso Nacional e a organização sindical, entidade 
de classe ou associação legalmente constituída há pelo menos um ano. No 
caso, o meio adequado seria a ação popular. 
Portadores de HIV
Levando
 em consideração os direitos de quem já desenvolveu a doença ou é 
portador do vírus HIV, decisões do STJ têm contribuído para firmar 
jurisprudência sólida sobre o tema, inclusive contribuindo para mudanças
 legislativas. Em abril deste ano, a Primeira Turma do STJ manteve 
decisão que determinou que é cabível a isenção de tarifa de transporte 
público para portador do vírus HIV e que nisso se enquadram os serviços 
de transporte prestados pelo estado (AREsp 104.069). 
Os 
ministros da Quarta Turma, no julgamento do REsp 605.671, mantiveram 
decisão que condenou o Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade 
Católica do Rio Grande do Sul ao pagamento de indenização a paciente 
infectada com o vírus da AIDS quando fazia a transfusão devido a outra 
doença. 
Para o relator, ministro Aldir Passarinho Junior, hoje 
aposentado, nem o hospital nem o serviço de transfusão tinham controle 
da origem do sangue, o que indicava a negligência e desleixo. O ministro
 destacou, ainda, que houve negativa do hospital em fornecer os 
prontuários e demais documentos, indicando mais uma vez comportamento 
negligente. 
Em outro julgamento de grande repercussão na Corte, a
 Terceira Turma obrigou ex-marido a pagar indenização por danos morais e
 materiais à ex-esposa por ter escondido o fato de ele ser portador do 
vírus HIV. 
No caso, a ex-esposa abriu mão da pensão alimentícia 
no processo de separação judicial e, em seguida, ingressou com ação de 
indenização alegando desconhecer que o ex-marido era soropositivo. O 
relator do processo, o saudoso ministro Humberto Gomes de Barros, 
destacou que o pedido de alimentos não se confunde com pedido 
indenizatório e que a renúncia a alimentos em ação de separação judicial
 não gera coisa julgada para ação indenizatória decorrente dos mesmos 
fatos que, eventualmente, deram causa à dissolução do casamento. 
Caso
 a vítima de dano moral já tenha morrido, o direito à indenização pode 
ser exercido pelos seus sucessores. A Primeira Turma reconheceu a 
legitimidade dos pais de um doente para propor ação contra o Estado do 
Paraná em consequência da divulgação, por servidores públicos, do fato 
de seu filho ser portador do vírus HIV. 
Segundo o relator do 
processo, ministro aposentado José Delgado, se o sofrimento é algo 
pessoal, o direito de ação de indenização do dano moral é de natureza 
patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores. 
Quando a 
assunto é saúde, o STJ já entendeu que não é válida cláusula contratual 
que excluiu o tratamento da AIDS dos planos de saúde. A Quarta Turma já 
reconheceu o direito de um beneficiário a ter todos os gastos com o 
tratamento da doença pagos pela Amil (REsp 650.400). 
A Terceira 
Turma também se posicionou sobre o assunto, declarando nula, por 
considerá-la abusiva, a cláusula de contrato de seguro-saúde que excluiu
 o tratamento da AIDS. O colegiado reconheceu o direito de uma 
aposentada a ser ressarcida pela seguradora das despesas que foi 
obrigada a adiantar em razão de internação causada por doenças 
oportunistas (REsp 244.847). 
Necessidades especiais 
O
 STJ vem contribuindo de forma sistemática para a promoção do respeito 
às diferenças e garantia dos direitos de 46 milhões de brasileiros que 
possuem algum tipo de deficiência (Censo 2011). Nesse sentido, uma das 
decisões mais importantes da Casa, que devido à sua abrangência se 
tornou a Súmula 377, é a que reconhece a visão monocular como 
deficiência, permitindo a quem enxerga apenas com um dos olhos concorrer
 às vagas destinadas aos deficientes nos concursos públicos. 
Algumas
 decisões importantes do STJ também garantem isenção de tarifas e 
impostos para os deficientes físicos. Em 2007, a Primeira Turma 
reconheceu a legalidade de duas leis municipais da cidade de Mogi Guaçu 
(SP). Nelas, idosos, pensionistas, aposentados e deficientes são isentos
 de pagar passagens de ônibus, assim como os deficientes podem embarcar e
 desembarcar fora dos pontos de parada convencionais. 
O relator 
do processo, ministro Francisco Falcão, destacou que, no caso, não se 
vislumbra nenhum aumento da despesa pública, “mas tão somente o 
atendimento à virtude da solidariedade humana”. 
O STJ também 
permitiu a uma portadora de esclerose muscular progressiva isenção de 
IPI na compra de um automóvel para que terceiros pudessem conduzi-a até a
 faculdade. De acordo com a Lei nº 8.989/1995, o benefício da isenção 
fiscal na compra de veículos não poderia ser estendido a terceiros. 
Entretanto, com o entendimento do STJ, o artigo 1º dessa lei não pode 
ser mais aplicado, especialmente depois da edição da Lei nº 10.754/2003.
 
Um portador de deficiência física – em virtude de acidente de 
trabalho – obteve nesta Corte Superior o direito de acumular o 
auxílio-suplementar com os proventos de aposentadoria por invalidez, 
concedida na vigência da Lei nº 8.213/1991. O INSS pretendia modificar o
 entendimento relativo à acumulação, porém o ministro Gilson Dipp, 
relator do processo na Quinta Turma, afirmou que a autarquia não tinha 
razão nesse caso. 
O ministro Dipp esclareceu que, após a 
publicação da referida lei, o requisito incapacitante que proporcionaria
 a concessão de auxílio suplementar foi absorvido pelo auxílio-acidente,
 conforme prescreve o artigo 86. Neste contexto, sobrevindo a 
aposentadoria já na vigência desta lei, e antes da Lei nº 9.528/1997, 
que passou a proibir a acumulação, o segurado pode acumular o auxílio 
suplementar com a aposentadoria por invalidez. 
Uma decisão de 
1999, já preconizava a posição do STJ em defesa da cidadania plena dos 
portadores de deficiência. Quando a maior parte dos edifícios públicos e
 privados nem sequer pensavam na possibilidade de adaptar suas 
instalações para receber deficientes físicos, a Primeira Turma do 
Tribunal determinou que a Assembleia Legislativa de São Paulo 
modificasse sua estrutura arquitetônica para a que deputada estadual 
Célia Camargo, cadeirante, pudesse ter acesso à tribuna parlamentar. 
“Não
 é suficiente que a deputada discurse do local onde se encontra, quando 
ela tem os mesmos direitos dos outros parlamentares. Deve-se abandonar a
 ideia de desenhar e projetar obras para homens perfeitos. A nossa 
sociedade é plural”, afirmou o ministro José Delgado, hoje aposentado, 
em seu voto. Nesse julgamento histórico, a Primeira Turma firmou o 
entendimento de que o deficiente deve ter acesso a todos os edifícios e 
logradouros públicos.
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