A
criminalização de movimentos sociais e de ativistas de direitos humanos
no Brasil é crescente e as políticas adotadas pelo próprio governo não
foram suficientes para barrar este processo nos últimos quatro anos.
Esta é a principal conclusão do relatório “Na Linha de Frente –
Criminalização dos Defensores de Direitos Humanos no Brasil”, que será
lançado no próximo mês pela organização Justiça Global.
O
documento analisa as ameaças, assassinatos, prisões, e outras formas
encontradas pelo Estado, quando demandado por setores mais
conservadores, para desqualificar a luta em defesa dos Direitos Humanos
no período entre 2006 e 2012.
Para a coordenadora da organização,
Sandra Carvalho, embora o documento trate de fatos ocorridos até 2012, o
processo de criminalização se radicalizou ainda mais nos últimos dois
anos, já que os grupos vulneráveis citados no estudo permaneceram
perseguidos e outros conflitos se somaram. “O que a gente percebe é que
os conflitos citados no documento não foram solucionados e mais
problemas surgiram”, ressalta Sandra Carvalho.
Entre as violações
citadas no texto está o conflito indígena no sul da Bahia envolvendo o
povo Tupinambá. O mais recente episódio deste conflito foi a prisão do
líder indígena Rosival Ferreira da Silva, conhecido como Cacique Babau,
que se entregou à Polícia Federal na quinta-feira (24). Ele seria
recebido pelo papa Francisco, em Roma, para falar da luta pela terra do
povo Tupinambá, mas foi impedido de sair do país devido a acusação de
ter participado do assassinato de um pequeno agricultor, fato negado
pelo cacique.
“Um exemplo de resistência política é a luta travada
pelos Tupinambás, no Sul da Bahia, para garantir o direito às suas
terras, cultura e, até mesmo, identidade indígena. Esse povo tem sido
vítima de um forte processo de criminalização, que envolve
latifundiários, Polícia Federal, poder público e os meios de
comunicação”, aponta o texto.
“O acirramento de violências contra
este povo vem se dando desde que o relatório de identificação e
delimitação da Terra Indígena Tupinambá, elaborado por um grupo técnico
de trabalho constituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em
cumprimento à Constituição Federal, ao Estatuto do Índio e ao Decreto
1775/96, foi publicado em 1996. Desde então os Tupinambá têm sido
intenso alvo de acusações, ameaças, tentativas de homicídio, além de
sofrer uma forte campanha discriminatória por parte da classe política e
econômica local, que historicamente invade e destrói a Terra
Tupinambá”, descreve o relatório ao qual o iG teve acesso.
Entre
os casos apontados, estão os atos violentos contra contra comunidades
tradicionais atingidas por grandes empreendimentos na Amazônia e no
Nordeste brasileiro. Neste contexto, o documento analisa os conflitos no
Pará, produzidos pela intensa atividade mineradora, a luta do povo
Truká pela recuperação de seu território e contra a transposição do Rio
São Francisco, obra prevista no Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) do governo federal. O documento também relata a violência contra o
povo Guajajara no Maranhão.
Na região Sudeste, o documento também
relata, entre outros casos, o processo de criminalização de pescadores
do município de Magé, localizado na região metropolitana do Rio de
Janeiro, contrários a empreendimentos da Petrobras.Neste caso, o
relatório detalha o caso de Alexandre Anderson de Souza, que é
presidente da Associação de Pescadores de Homens e Mulheres do Mar
(AHOMAR) e foi incluído, junto com sua esposa Daize Menezes de Souza, no
Programa Nacional de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos da
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República em 2009,
depois de repetidas ameaças e atentados contra a sua vida.
“A
instalação dos dutos da Petrobrás inviabiliza a pesca artesanal,
deixando os pescadores sem condições de trabalho e ou de se manter
através dessa atividade econômica”, destaca.
Confira alguns dos principais pontos do relatório:
Formas mais comuns de criminalização de movimentos socais no Brasil
O
relatório “Na Linha de Frente – Criminalização dos Defensores de
Direitos Humanos no Brasil”, que será lançado no próximo mês pela
organização Justiça Global mapeia as principais práticas de
criminalização às quais os defensores de Direitos Humanos no Brasil são
submetidos.
Desqualificação: Busca distorcer os
sentidos e objetivos das demandas, discursos e práticas de determinados
indivíduos ou grupos sociais, de modo a promover a sua difamação
pública.
Invisibilização: Processo pelo qual se
oculta a demanda, contexto social ou quaisquer manifestações de
indivíduos ou grupos sociais, de modo a evitar que conquistem
publicidade perante a sociedade, mídia ou instituições estatais.
Inferiorização:
Estratégia que atinge indivíduos ou grupos sociais ao reduzir ou
ignorar completamente a legitimidade de sua alteridade, historicidade,
dignidade, diferenças culturais ou prática social.
Não-reconhecimento de direitos:
Ocorre quando determinado grupo não tem na lei o reconhecimento de seus
direitos. É o caso das violações cometidas contra a população LGBT que,
apesar de não ser proibida por previsão penal a diversidade de gênero e
de orientação sexual, esse segmento tem restringido o seu
reconhecimento na medida em que diversos direitos previstos para
relações de base heterossexuais.
Omissão: Decorre
da falta de ação do Estado em vista de contexto de recorrente,
flagrante ou iminente violação de Direitos Humanos contra indivíduos ou
grupos sociais.
Cooptação: Estratégia de
aliciamento de indivíduos ou grupos sociais, através de do oferecimento
de vantagens políticas ou financeiras, para dissuadi-los, dividi-los ou
exercer controle hierárquico de suas demandas.
Despolitização/individualização:
Consiste em retirar o aspecto político de determinada luta social, ao
individualizar a responsabilidade. Ocorre quando se atribui a um único
indivíduo o interesse por demandas que são da coletividade.
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