17 maio 2013

O que se comemora amanhã: Dia Nacional da Luta Antimanicomial

Integrante do Movimento de Luta Antimanicomial, o escritor reconhece algumas conquistas, mas lamenta que batalhas como o combate aos eletrochoques – a Terapia do Terror, como prefere chamar – ainda não tenham sido vencidas.



Austregésilo Carrano Bueno é escritor, ator e diretor de teatro. Escreveu o livro “Canto dos Malditos”, que deu origem ao filme “Bicho de Sete Cabeças” (dirigido por Laís Bodanzky) e conta a história da sua época como paciente psiquiátrico – uma história que a própria Rets já mostrou. Desde o fim desse pesadelo, que lhe rendeu um processo movido pelos médicos da clínica onde esteve internado, Carrano se empenha na defesa da reforma psiquiátrica. Às vésperas de mais um 18 de maio, quando se comemora o Dia Nacional de Luta Antimanicomial, voltamos a procurá-lo para conversar a respeito da situação do atendimento às pessoas com transtornos mentais no país.
Sobre o programa De Volta para Casa, criado pela Lei 10.708, de 31 de julho de 2003, para dar “assistência, acompanhamento e integração social, fora da unidade hospitalar, a pessoas acometidas de transtornos mentais com história de longa internação psiquiátrica”, Carrano não poupa críticas. ”Em 2005, o programa tinha como objetivo atingir mais de 2.500 pessoas. Conseguiram repassar esta verba para pouco mais de 800. Isto porque é muito burocrático, exigente demais. Exige, por exemplo, que o usuário tenha sido internado no mínimo por dois anos ininterruptos. Isto é um absurdo!”, reage.
Integrante do Movimento de Luta Antimanicomial, o escritor reconhece algumas conquistas, mas lamenta que batalhas como o combate aos eletrochoques – a Terapia do Terror, como prefere chamar – ainda não tenham sido vencidas. “Esta falsa psiquiatria que chamam de moderna matou mais de 300 mil pessoas e inutilizou, destruindo a saúde mental, número semelhante. São mais de 600 mil vítimas psiquiátricas somente no Brasil”, indigna-se.
Para elas, Carrano defende uma análise de cada caso por uma junta gratuita de advogados e o pagamento de indenizações. “Isto é fazer justiça social, ao contrário das esmolas sociais”, afirma.
Rets - O programa De Volta para Casa, lançado em 2003 pelo governo federal, foi bastante comemorado como uma iniciativa de reinserção das pessoas com transtornos mentais nas suas famílias. Você tem acompanhado a execução do programa? Como avalia?
Austregésilo Carrano - Em 2005, o programa tinha como objetivo atingir mais de 2.500 pessoas. Conseguiram repassar esta verba para pouco mais de 800. Isto porque é muito burocrático, exigente demais. Exige, por exemplo, que o usuário (paciente) tenha sido internado no mínimo por dois anos ininterruptos. Isto é um absurdo!
No meu caso, foram três anos e cinco meses de entra-e-sai em chiqueiros psiquiátricos. Eu, como milhares de outros, não teria o direito ao auxílio mínimo do programa De Volta para Casa. Nós, usuários e não-usuários que fomos violentados dentro dessas casas de extermínio, exigimos os mesmos direitos constitucionais que receberam os presos políticos na época da ditadura militar. Foram indenizados, e muito bem. Agora, para nós, vítimas psiquiátricas, e muitas em conluio com a ditadura militar, jogam um salarinho de fome e acham que a "dívida social" para conosco está saldada. Uma ova! Costumo citar o meu caso como exemplo de como esta experiência como cobaia psiquiátrica interferiu em minha vida.
Minha formação profissional foi anulada de forma estúpida por um erro médico-psiquiátrico. Três anos e meio de minha adolescência e de meu preparo profissional prejudicados. As seqüelas físicas e emocionais que abalam toda uma formação de comportamento, temperamento e efeitos em ações tomadas. Os preconceitos sociais enfrentados dia a dia, quando tomam conhecimento de seu histórico psiquiátrico, o que muitas vezes gera medo nas pessoas. Tudo somado leva ao preconceito agressivo, tanto físico como moral. Existem, assim, grandes chances de esses sobreviventes psiquiátricos serem levados ao isolamento social, ou seja, a uma destruição total do seu processo de reinserção, caso não tenha ajuda profissional como a que nós damos na Rede de Trabalhos Substitutivos aos Hospitais Psiquiátricos Brasileiros. É por esses e outros danos que exigimos que nossos casos sejam analisados gratuitamente por uma junta de advogados. Os que forem julgados merecedores de indenizações, que tenham integralmente respeitados seus direitos constitucionais e sejam indenizados. Isto é fazer justiça social, ao contrário das esmolas sociais. 

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