Integrante do Movimento de Luta Antimanicomial, o escritor reconhece algumas conquistas, mas lamenta que batalhas como o combate aos eletrochoques – a Terapia do Terror, como prefere chamar – ainda não tenham sido vencidas.
Austregésilo Carrano Bueno é
escritor, ator e diretor de teatro. Escreveu o livro “Canto dos
Malditos”, que deu origem ao filme “Bicho de Sete Cabeças”
(dirigido por Laís Bodanzky) e conta a história da sua
época como paciente psiquiátrico – uma história
que a própria Rets
já mostrou. Desde o fim desse pesadelo, que lhe rendeu um processo
movido pelos médicos da clínica onde esteve internado,
Carrano se empenha na defesa da reforma psiquiátrica. Às
vésperas de mais um 18 de maio, quando se comemora o Dia Nacional
de Luta Antimanicomial, voltamos a procurá-lo para conversar
a respeito da situação do atendimento às pessoas
com transtornos mentais no país.
Sobre o programa De Volta para Casa, criado pela Lei
10.708, de 31 de julho de 2003, para dar “assistência, acompanhamento
e integração social, fora da unidade hospitalar, a pessoas
acometidas de transtornos mentais com história de longa internação
psiquiátrica”, Carrano não poupa críticas.
”Em 2005, o programa tinha como objetivo atingir mais de 2.500
pessoas. Conseguiram repassar esta verba para pouco mais de 800. Isto
porque é muito burocrático, exigente demais. Exige, por
exemplo, que o usuário tenha sido internado no mínimo
por dois anos ininterruptos. Isto é um absurdo!”, reage.
Integrante do Movimento de Luta Antimanicomial, o escritor
reconhece algumas conquistas, mas lamenta que batalhas como o combate
aos eletrochoques – a Terapia do Terror, como prefere chamar –
ainda não tenham sido vencidas. “Esta falsa psiquiatria
que chamam de moderna matou mais de 300 mil pessoas e inutilizou, destruindo
a saúde mental, número semelhante. São mais de
600 mil vítimas psiquiátricas somente no Brasil”,
indigna-se.
Para elas, Carrano defende uma análise de cada
caso por uma junta gratuita de advogados e o pagamento de indenizações.
“Isto é fazer justiça social, ao contrário
das esmolas sociais”, afirma.
Rets - O programa De Volta para Casa,
lançado em 2003 pelo governo federal, foi bastante comemorado
como uma iniciativa de reinserção das pessoas com transtornos
mentais nas suas famílias. Você tem acompanhado a execução
do programa? Como avalia?
Austregésilo Carrano
- Em 2005, o programa tinha como objetivo atingir mais de 2.500 pessoas.
Conseguiram repassar esta verba para pouco mais de 800. Isto porque
é muito burocrático, exigente demais. Exige, por exemplo,
que o usuário (paciente) tenha sido internado no mínimo
por dois anos ininterruptos. Isto é um absurdo!
No meu caso, foram três anos e cinco meses de
entra-e-sai em chiqueiros psiquiátricos. Eu, como milhares de
outros, não teria o direito ao auxílio mínimo do
programa De Volta para Casa. Nós, usuários e não-usuários
que fomos violentados dentro dessas casas de extermínio, exigimos
os mesmos direitos constitucionais que receberam os presos políticos
na época da ditadura militar. Foram indenizados, e muito bem.
Agora, para nós, vítimas psiquiátricas, e muitas
em conluio com a ditadura militar, jogam um salarinho de fome e acham
que a "dívida social" para conosco está saldada.
Uma ova! Costumo citar o meu caso como exemplo de como esta experiência
como cobaia psiquiátrica interferiu em minha vida.
Minha formação profissional foi anulada
de forma estúpida por um erro médico-psiquiátrico.
Três anos e meio de minha adolescência e de meu preparo
profissional prejudicados. As seqüelas físicas e emocionais
que abalam toda uma formação de comportamento, temperamento
e efeitos em ações tomadas. Os preconceitos sociais enfrentados
dia a dia, quando tomam conhecimento de seu histórico psiquiátrico,
o que muitas vezes gera medo nas pessoas. Tudo somado leva ao preconceito
agressivo, tanto físico como moral. Existem, assim, grandes chances
de esses sobreviventes psiquiátricos serem levados ao isolamento
social, ou seja, a uma destruição total do seu processo
de reinserção, caso não tenha ajuda profissional
como a que nós damos na Rede de Trabalhos Substitutivos aos Hospitais
Psiquiátricos Brasileiros. É por esses e outros danos
que exigimos que nossos casos sejam analisados gratuitamente por uma
junta de advogados. Os que forem julgados merecedores de indenizações,
que tenham integralmente respeitados seus direitos constitucionais e
sejam indenizados. Isto é fazer justiça social, ao contrário
das esmolas sociais.
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