26 janeiro 2011

Um Fla-Flu agropecuário

Terça, 25 de janeiro de 2011, 08h11


Um Fla-Flu agropecuário

Rui Daher

De São Paulo

"2011, O Ano do Brasil" estampa a capa da edição de janeiro da revista "Globo Rural". Trecho da matéria: "Preços em alta, consumo aquecido e custo de produção menor devem favorecer expansão do setor". Em sua "Carta", o editor manda logo um céu de brigadeiro.

Por seu lado, o jornal "Valor", citando estudo do Rabobank Brasil e usando o mesmo termo do editor da revista, confirma excelente cenário para o campo.

Poder-se-ia ir longe exemplificando encômios midiáticos à excelência do atual estágio da atividade e, confesso, a frase sai rebuscada para se adaptar a conjuntura tão fina.

Se visto de uma forma geral, com pequenas diferenças de intensidades e algumas situações pontuais negativas, próprias do setor, esse é um cenário que se repete há algumas safras.

Desde 2003, o PIB do agronegócio vem crescendo perto de 5,5% ao ano; as exportações - que acabam de bater um novo recorde - a 12%; e o saldo da balança comercial chegou, em 2010, aos expressivos 63 bilhões de dólares.

São dados e notícias que satisfazem os acríticos adoradores do "Brasil Potência Agrícola Mundial", mas que não fazem calar duas perguntas:

1) Por que cargas d'água (estarei sendo politicamente incorreto ao usar o termo num janeiro de clima tão inclemente?), em seu discurso de posse, a presidente Dilma anunciou como prioridade acabar com a miséria no País?

2) O que faz haver tanta gente digladiando sobre a necessidade ou não de se fazer uma reforma agrária?

Primeiro, sabemos todos, apesar dos avanços dos últimos anos estamos longe de ter erradicado a miséria de enormes parcelas da população brasileira. Ainda mais se considerarmos que deixar a miséria é passar a viver do trabalho que se reproduz além dos padrões de renda estabelecidos em nossas estatísticas.

Sair da miséria compreende educar, qualificar para o trabalho e impedir que pessoas morram em portas e corredores de hospitais ou habitem as margens de esgotos a céu aberto.

Quanto à reforma agrária, expressão malandramente estigmatizada por quem teme perder privilégios em transformações sociais, ela é um dever constitucional. Quem não a quiser terá que rasgar a Carta, fato inconcebível no Brasil de hoje.

Falar que de nada adianta ceder áreas e não dar apoio para plantar é martelar num escapismo em que ninguém mais acredita, pois é óbvio serem necessários aparelhos de apoio governamental e de cadeias produtivas ligadas à iniciativa privada. Tudo, porém, só se viabiliza a partir da posse da terra.

Daí que assentamentos do INCRA, sistemas como PRONAF (Agricultura Familiar), PRONERA (Educação na Reforma Agrária) e Territórios da Cidadania, entre outros ligados ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), devem ser cada vez mais estimulados.

Segundo o INCRA, existem hoje no Brasil 8.763 assentamentos, 70% deles nas regiões Norte e Nordeste. Neles, vivem 924 mil famílias que retiram mais de 50% de sua renda da produção agropecuária.

Ocupam 76 milhões de hectares de terra, o que faz pensar que em 60% de área equivalente o Brasil produz 150 milhões de toneladas de grãos. "Apenas" que em condições geográficas, climáticas e tecnológicas completamente diferentes.

Recentemente, um executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), em entrevista à revista "Globo Rural", declarou não ver razão para a existência de dois ministérios para a agropecuária, o da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o MDA.

Concordo. Poderíamos ter apenas o MDA.

Crédito: o título da coluna foi inspirado no excelente livro de Mauro Rosso, "Lima Barreto versus Coelho Neto: Um Fla-Flu Literário", (Difel, RJ - 2010).

Rui Daher é administrador de empresas, consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola.

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4908505-EI12666,00-Um+FlaFlu+agropecuario.html

25 janeiro 2011

Sindicato dos Jornalistas repudia ação da PM-GO em Santo Antônio do Descoberto

Caros visitantes.

Segue a nota do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF em repúdio à ação da Polícia Militar do Estado de Goiás durante os protestos de ontem, na cidade de Santo Antônio do Descoberto.

A cidade, situada no entorno de Brasília, vive em situação de total abandono por parte do poder público de Goiás - tanto municipal quanto estadual. É das cidades do entorno, como Santo Antônio do Descoberto, que vem boa parte dos trabalhadores menos qualificados empregados em Brasília.

Basta conversar com uma empregada doméstica, uma babá, um porteiro, um jardineiro, para se saber do absoluto abandono sofrido por esta população. Serviços de saúde, educação, coleta de lixo, saneamento básico, laser, segurança pública, transporte, creche - nada funciona no nível mínimo.

O "levante" de ontem não me surpreendeu, pois ouço com frequência relatos tristes e perturbadores deste descaso, relatos feitos por minha empregada doméstica. Não apenas relatos de descaso, mas também de situações recorrentes de violência policial - invasões de residência e espancamento, sem nenhuma consequência, sem nenhuma repercussão.

Santo Antônio do Descoberto, assim como as demais cidades goianas do entorno do DF são há muito "terra de ninguém", cidades abandonadas, meros objetos de um "jogo de empurra". Abandonadas pelo Estado de Goiás, sequer foram mencionadas nos programas dos partidos e coligações na propaganda eleitoral gratuita do último pleito.

Mas os acontecimentos de ontem em Santo Antônio do Descoberto mostraram que pelo menos em uma coisa o Estado não está ausente: na repressão à população. Pode faltar educação, saneamento básico, saúde, laser, transporte, mas uma coisa não falta: a presença repressora da tropa de choque, com suas bombas, cassetetes, tapas e chutes. 

Quando o Estado Democrático e Social de Direito chegará para o entorno do DF?

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Sindicato repudia ação da PM-GO no caso de Santo Antônio do Descoberto
Jornalistas foram agredidos pelo Batalhão de Choque

REPÚDIO À AÇÃO DA POLÍCIA EM SANTO ANTÔNIO DO DESCOBERTO

A diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF vem a público repudiar a ação do Batalhão de Choque da Polícia Militar do Estado de Goiás nos incidentes de Santo Antônio do Descoberto. Na manhã desta segunda-feira, a polícia reprimiu com muita violência manifestações de cidadãos que protestavam contra a situação caótica nos serviços públicos da cidade.

A jornalista Jordana Saldanha, da TV Record, relatou, ao vivo no programa "Balanço Geral", que foi agredida por oficiais da PM e tolhida no exercício da profissão quando conversava com um deficiente físico que havia levado um tapa de um policial. Outro caso grave foi o do repórter e apresentador do programa Fuleragem na TV, da TV Gênesis, Paulo Henrique. O profissional do programa que já havia feito várias reportagens denunciando o descaso foi atingido por uma bala de borracha.

A diretoria do SJPDF repudia o uso de violência como foi feito dessa forma, especialmente contra jornalistas que estão tentando noticiar um fato desta importância. Consideramos que no atual estágio de nossa democracia, a liberdade de expressão deve ser respeitada como direito valioso e essencial. Esperamos que a Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás tome as providências cabíveis para punir os abusos cometidos.

Diretoria do Sindicato dos Jornalistas do DF

Brasília, 24 de janeiro de 2010

Disponível originalmente no site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal em: http://www.sjpdf.org.br/Noticia,Abrir,5137,7804.aspx

07 janeiro 2011

Seccionais da OAB apoiam cassação de liminar pelo STF

Exame de Ordem: Seccionais da OAB apoiam cassação de liminar pelo STF


Rio de Janeiro, 07/01/2011 - A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, de cassar a liminar que garantia a expedição da carteira de advogado a dois bacharéis de Direito reprovados no Exame de Ordem repercutiu em todo o Brasil. Na semana em que foi dada a suspensão dos efeitos da liminar (a decisão de Peluso foi dada na última segunda-feira), seis seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), além do Conselho Nacional da entidade, já se manifestaram em favor do STF.

A liminar havia sido concedida pelo desembargador Vladimir Souza Carvalho, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), depois que os bacharéis recorreram de decisão do juiz de primeiro grau que havia rejeitado a inscrição sem a realização da prova da OAB em Fortaleza. Inconformado com tal decisão, o Conselho Federal da OAB e a seção cearense da Ordem recorreram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao STF.

O presidente da seccional do Rio de Janeiro da OAB, Wadih Damous, afirmou que a decisão restabelece a normalidade. "A liminar cassada era um absurdo, que ia em sentido contrário a uma tendência mundial: em diversos países da Europa, por exemplo, onde não existia, o Exame de Ordem passará a ser exigido", disse. Wadih lembrou que, mesmo no Brasil, diversas outras entidades de fiscalização da profissão já defendem idêntico exame para as suas corporações, como médicos, engenheiros, economistas e psicólogos.

CIDADANIA. "O Exame de Ordem é, antes de tudo, uma garantia da cidadania, que espera tratar com profissionais minimamente preparados para o exercício da profissão de advogado. Com o crescimento desmesurado do número de cursos jurídicos, o que não se traduz em sinônimo de qualidade, o Exame de Ordem é mais do que necessário, é um imperativo", concluiu o presidente da OAB-RJ.

O presidente da OAB de São Paulo, Luiz Flávio Borges D´Urso, também elogiou a decisão do ministro Cezar Peluso, que é válida até o trânsito em julgado da ação. "A decisão de Peluso vem ao encontro das expectativas da OAB e certamente levou em conta a necessidade da existência do Exame de Ordem para garantir que o advogado tenha de apresentar conhecimento técnico mínimo para exercer a profissão, evitando causar danos em decorrência da má qualificação profissional. Essa decisão também demonstra que o Exame está revestido de constitucionalidade e legalidade", afirmou o presidente.

No entendimento do vice-presidente da OAB-SP e presidente da Comissão de Assuntos do Judiciário, Marcos da Costa, a suspensão dos efeitos da liminar evita dano maior. "Os argumentos do Conselho Federal da OAB, acatados pelo ministro Peluso, são claros. Os dispositivos constitucionais que asseguram o livre exercício profissional também estabelecem restrições técnicas, essas previstas no Estatuto da Advocacia, que determina uma série de requisitos para o bacharel se tornar advogado, entre eles ser aprovado no Exame de Ordem" afirmou Costa.

Em sua decisão, o ministro Peluso citou a possibilidade de repetição de idênticos feitos: "É notório o alto índice de reprovação nos exames realizados pelas seccionais da OAB, noticiado de forma recorrente pelos órgãos de imprensa. Nesses termos, todos os bacharéis que não lograram bom sucesso nas últimas provas serão potenciais autores de futuras ações para obter o mesmo provimento judicial", disse.

O presidente da OAB-SP lembra que a queda na qualidade do ensino jurídico na década de 70 tornou-se uma preocupação crescente para a OAB, o que levou a entidade a criar o Exame de Ordem, para mensurar o conhecimento básico do bacharel em Direito. O Exame foi regulamentado pelo antigo estatuto da OAB, Lei 4.215/63, substituído depois pelo novo Estatuto da Advocacia, Lei 8.906/94, que tornou a prova obrigatória para os bacharéis que desejam exercer a profissão de advogado. (Jornal do Commercio, RJ).
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Matéria publicada originalmente no site do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em: http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=21196

06 janeiro 2011

A dificuldade em se gostar de Direito

Para refletir...

A dificuldade em se gostar de Direito


Elaborado em 02/2010.

Átila Da Rold Roesler

É certo que a opção pelo Direito se tornou verdadeiro modismo nos dias atuais. Seja pela promessa de dinheiro fácil e garantido, seja pela suposta "facilidade" em se concluir o curso, seja pela expansão de faculdades país afora, a verdade é cada vez mais jovens estudantes optam por prestar vestibular para ingresso na Faculdade de Direito. Por esses motivos, é natural que muitos que fazem essa opção não tenham a menor afinidade com o curso e acabem sofrendo as consequências de uma escolha equivocada transformando-se em profissionais frustrados no futuro.

A realidade é que inúmeros estudantes que prestam vestibular para a Faculdade de Direito sonham com uma das carreiras jurídicas empolgados, talvez, pelos filmes de tribunais que já assistiram. Com reviravoltas espetaculares e tramas nada óbvias, esses filmes contam histórias empolgantes e que certamente acabam por alimentar os sonhos dos jovens universitários. Entretanto, já nas primeiras leituras de Direito, o estudante se depara com uma linguagem formalista, de difícil compreensão, dando a impressão de que a escolha talvez não tenha sido tão acertada assim... A leitura dos "clássicos" recomendados pelos professores nos primeiros dias de aula não é tarefa fácil, chegando a provocar nos alunos uma verdadeira "crise vocacional". O jovem pode pensar que a profissão que escolheu é a mais tediosa do mundo, no que talvez não esteja tão errado assim...

De outro lado, é quase certo pensar que um dos objetivos do jovem estudante ao escolher o curso de Direito seja o de ganhar dinheiro fácil. Entretanto, não é como parece. A carreira jurídica só valoriza os profissionais extremamente dedicados e que se entregam incondicionalmente ao estudo e à profissão escolhida. Essa regra vale tanto para os disputadíssimos concursos públicos quanto para o exercício da advocacia privada. A dedicação incondicional só vêm com o amor à profissão, ou seja, para se realizar profissionalmente no Direito é preciso amar a carreira jurídica, entregar-se à leitura e ao estudo contínuo.

O formalismo que predomina no Direito e o reiterado uso de expressões em latim acabam concorrendo para um dos mais sérios problemas que se observa no operador jurídico: o esnobismo. Após a dificuldade inicial, geralmente os acadêmicos de Direito acabam por se acostumar com o palavreado formal e empolado, distanciando-se dos demais estudantes. Geralmente, isso ocorre por volta do segundo semestre e pode se estender por toda a vida profissional do sujeito. Outro fator que concorre para isso é o tratamento pomposo e a bajulação que rodeia o dia-a-dia forense. Entre juristas, há uma cultura antiga que acaba por valorizar esses protocolos formais no uso de tratamentos como "Excelentíssimo", "Vossa Senhoria", "Doutor", "Meritíssimo" etc. Então, por vezes, essas particularidades do meio jurídico transformam o operador jurídico num sujeito arrogante, "metido a sabe-tudo". Mas a grande verdade em Direito é que "o conhecimento é sempre limitado, enquanto a ignorância é infinita". A realidade é que quanto mais se aprende, menos se sabe. Por isso, sem dedicação suficiente o estudante se tornará um profissional medíocre, frustrado e sempre descontente.

A dificuldade em se gostar de Direito prossegue ao longo da vida profissional do sujeito ao se deparar com injustiças e desilusões que não correspondem ao modelo idealizado pelo sistema. Os desafios da profissão são muitos e por vezes as dificudades aparecem como obstáculos quase intransponíveis. O operador jurídico, não raras vezes, passa por constantes "crises de vocação" ao longo de sua carreira. O que parecia empolgante e desafiador no começo logo transforma-se em amarga realidade. Mas manter-se centrado naquilo em que se acredita é essencial para a superação de certos momentos de provação.

É preciso compreender que somente o estudo aprofundado do sistema jurídico permite conhecer a sociedade em que vivemos de uma forma única. Desde que o homem se organizou para viver em sociedade, regras jurídicas foram criadas para tornar essa convivência suportável. O Direito surge justamente em função dessa necessidade humana de regular comportamentos e legitimar o poder. Sem a criação de normas jurídicas não haveria a menor possibilidade de convivência pacífica entre as pessoas em uma sociedade civilizada. E soa lamentável que cerca de 90% dos brasileiros não sabem sequer o que é Constituição. Conhecer as "regras do jogo", portanto, deveria ser essencial em nossa vida, assim como ter uma razoável compreensão de Constituição e cidadania.

Além disso, mesmo com todas as dificuldades postas, é certo que o Direito proporciona situações que nenhuma outra carreira pode proporcionar. E não se está falando apenas de remuneração, mas de desempenhar um papel ativo na sociedade contribuindo para um mundo melhor e mais justo. Talvez em nenhuma outra profissão possa se desempenhar um papel tão ativo na construção de uma sociedade democrática e igualitária. É como diz Luís Roberto Barroso: "o Direito é ciência. O direito é técnica. É preciso conhecer-lhe o instrumental teórico e prático. Mas é preciso ter convicções límpidas e colocar o conhecimento a serviço das causas em que se acredita" [01].

Então, em que pese a dificuldade do jovem estudante em gostar de Direito e as provações que certamente encontrará ao longo de sua trajetória, é preciso ter ciência de que a carreira jurídica escolhida é essencial para o aperfeiçoamento da sociedade em que vivemos. Ihering já ensinava que "quando alguém exerce um direito não o faz apenas para si, reafirma, para todos, não só a existência do direito específico que pleiteia, como também vivifica a idéia de direito em geral, pondo limites à sua usurpação" [02].

O operador jurídico se sentirá realizado quando sua simples presença puder intimidar fraudes e abusos de toda a ordem, criando uma influência positiva no meio em que vive, enchendo esperança aos que clamam por justiça.

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Notas

1. Direito e Paixão, p. 610 In: Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pp. 603/628.

2. A luta pelo Direito. São Paulo: Martin Claret, 2000.

Átila Da Rold Roesler é Procurador federal da Advocacia-Geral da União, especialista em Direito Processual Civil,  autor do livro Execução Civil – Aspectos Destacados (Editora Juruá, 2007) e ex-Delegado de Polícia Civil do Estado do Paraná.
Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/14386.

02 janeiro 2011

Petição prolixa, sentença injusta

Para refletir...

JURIDIQUÊS



Petição prolixa, sentença injusta
Por Deonísio da Silva em 30/11/2010

A maioria de nossos advogados não sabe escrever. Quem os denuncia são eles mesmos, nas petições que protocolam. De vez em quando a sociedade, irritada, ameaça tomar alguma atitude contra eles e em defesa do direito e do idioma. Em notável autocrítica, frequentemente o Judiciário e o Ministério Público manifestam insatisfação com o estilo dos advogados. Por força dessas críticas, já houve alguns progressos, mas ainda falta muito.

Na semana passada, mais um passo relevante foi dado na direção de simplificar a aplicação do Direito. Foi lançado, no Palácio da Justiça, em Porto Alegre (RS), o Projeto Petição 10, Sentença 10, que tem apoio do Judiciário e do Ministério Público (ver Zero Hora, 25/11/20, p. 14). Entre outras providências, o projeto recomenda concisão em petições e sentenças, aconselhando seus autores a não usar mais do que dez páginas. Informa ainda que:

1. "A produção de 1 kg de papel consome 540 litros de água";
2. "As plantações extensivas de eucalipto para produção de celulose esgotam os recursos hídricos, ressecando o solo e reduzindo drasticamente a biodiversidade"
3. "O branqueamento do papel, no Brasil, é feito com o uso, entre outros produtos, de dióxido de cloro, que libera dioxinas, substâncias comprovadamente cancerígenas."

Não é possível que para garantir a aplicação do Direito ainda se gaste tanto com impressoras, tinta e papel. E os funcionários certamente têm mais o que fazer do que cópias excessivas de calhamaços que, enxugados no estilo, dizem muito pouco a respeito dos temas que ocuparam os construtores das conhecidas Torres de Papel, cujo conteúdo é muito difícil de ser decifrado. Determinadas petições são entendidas apenas por quem as escreveu e, às vezes, nem por seus autores ou signatários.

Floreios esquisitos, citações impertinentes

No ano passado, o Judiciário gastou no Rio Grande do Sul 100 milhões de folhas de papel para cumprir suas funções. Nos outros estados não deve ter sido muito diferente, uma vez que os gaúchos são muito cuidadosos com a escrita, pois começaram cedo a aprender. Primeiro com os jesuítas, que, ainda nos séculos 17 e 18, ergueram naquelas plagas o complexo urbano dos Sete Povos Missioneiros, antes mesmo de o Rio Grande do Sul existir política, social e juridicamente. E nos séculos seguintes tiveram Júlio de Castilhos e os imigrantes europeus, sobretudo os alemães, que cuidaram de ter escolas e jornais em todos os lugares em que se estabeleciam.

Foram-se os tempos dos discípulos de Paulo Brossard, a quem Leonel Brizola, sem a cultura do desafeto, mas quase invencível num debate, qualificava de "Rui Barbosa em compota". O caso é que Paulo Brossard sabia e sabe escrever bem, como demonstra ainda hoje nos artigos esparsos que publica na mídia. E Leonel Brizola sabia falar. E pouco escreveu.

Atualmente, os juízes, assoberbados com tantos processos, são obrigados a lidar com montanhas de detritos retóricos e figuras de linguagem de mau gosto, fora de lugar e de propósito, que não os ajudam a formar sua convicção. Afinal, "sentença" vem de "sentir" e, para sentir o que se passa entre os litigantes, é necessário que as petições sejam objetivas; do contrário, o juiz não sabe o que é que está sendo pleiteado.

Toda Torre de Papel acaba numa Torre de Babel. Nem o juiz entende o que está sendo reivindicado, nem as partes, depois de tantos floreios e divagações, lembram o que solicitaram. Em resumo, faltam clareza, concisão e objetividade à maioria de nossos advogados. E esta insuficiência prejudica em primeiro lugar os seus clientes e em segundo lugar todo mundo. Pois quem paga tanto papel, tanta árvore derrubada para atendê-los? O distinto público, é claro.

Qual é a principal vítima do juridiquês? O cidadão. Exercer o direito requer os trabalhos de um advogado que o represente. Quando o advogado é incompetente, o prejudicado não é o representante, é o representado.

No Judiciário, são mínimas as chances de um cidadão ser atendido quando seu advogado não é objetivo e não reivindica claramente o essencial. Fica ainda pior quando, jejuno em direito e em língua portuguesa, para disfarçar tais insuficiências recorre a floreios esquisitos, citações longas, impertinentes, fora de contexto, desnecessárias, que fazem seus autores revirarem nos túmulos.

Ensino e aprendizagem de alfabetizados

Foram advogados grandes escritores brasileiros. Todavia, de umas décadas para cá, com o rebaixamento do ensino de língua portuguesa em quase todas as escolas de todos os níveis, temos advogados atuantes que, conquanto entendam da profissão que exercem, não a dominam com eficiência justamente porque as faculdades que cursaram não deram ao ato de escrever a importância que essa profissão requer. Se não sabem escrever, é claro que também não sabem ler nem interpretar as leis que, se não as leem, deveriam lê-las. Comportam-se como Tiriricas do Judiciário.

Ainda que a Ordem dos Advogados do Brasil submeta os portadores de diploma de bacharel em Direito a exames adicionais, ainda há muito que fazer. Os profissionais de Letras precisam ajudar o Judiciário e o Ministério Público nessa tarefa de erradicar o juridiquês, que é o analfabetismo empolado do Direito. Talvez o Supremo Tribunal Federal pudesse fazer como a Suprema Corte dos EUA, que limitou o tamanho das petições entre 3.000 e 15.000 caracteres, isto é, entre duas e dez laudas, no máximo, que é exatamente a proposta agora feita pelos gaúchos.

Seria um reforço no processo de ensino e de aprendizagem de alfabetizados que, lendo menos do que devem, aumentam suas insuficiências na hora de escrever.

FONTE: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=618CID001