28 novembro 2009

Reverenciando Claude Lévi-Strauss.

Neste interessante artigo Letícia Cavalcanti presta uma homenagem ao antropólogo Claude Lévi-Strauss, recentemente falecido às vésperas de completar 101 anos de idade.


A culinária na obra de Lévi-Strauss
Sábado, 28 de novembro de 2009, 07h22

Lecticia Cavalcanti
Do Recife (PE)

Claude Lévi-Strauss estaria fazendo neste sábado, 28 de novembro, 101 anos. O sentimento de perda com sua partida, no último 31 de outubro, é grande especialmente no Brasil, por ter aqui se dado parte de sua formação como antropólogo. Tudo começou quando, entre 1935 e 1939, conviveu com as tribos Kadiweu, Nambikwara, Tupi-kawahib e Bororo, na região central do Brasil. Ali conheceu bem nossos índios: de acordar com eles aos primeiros raios de sol, de conversar sobre seus deuses, de comer carne crua (seca ao sol) com pau puba, de sofrer com os mosquitos de todo fim de tarde, de ver com seus próprios olhos um céu escuro e brilhante que os habitantes das cidades grandes jamais conhecerão.


A partir dessa experiência compreendeu não haver diferença entre o pensamento do índio e do homem civilizado. Para ele, "não se trata do pensamento dos selvagens e sim do pensamento selvagem. Uma forma que é atributo de toda a humanidade e que podemos encontrar em nós mesmos" (em "Pensamento Selvagem", 1962). Para a visão européia, então dominante, que considerava esses "selvagens" como intelectualmente inferiores, acabou sendo uma revolução. Aos poucos, foi então sedimentando seu método estruturalista - pelo qual todos os homens (pessoas simples ou doutores letrados) têm uma forma de raciocinar que funciona da mesma maneira; passando do estado "natural", ao "cultural", quando começam a "usar a linguagem, construir objetos e aprender a cozinhar".


Os hábitos alimentares estão presentes por toda sua obra. Sobretudo em "Mitológicas" (escrito entre 1964 e 1971), em que analisa 813 mitos de diferentes povos indígenas do continente americano, definindo seu grau de desenvolvimento a partir do uso dos alimentos - o "cru" (natural), transformado em "cozido" (culturais), que depois volta à natureza sob a forma de "podre", em uma relação que denominou "triângulo culinário". O trabalho é dividido em quatro volumes. "O Cru e o Cozido" (vol. I) fala da origem da culinária, do fogo, da cocção dos alimentos, da carne de caça, das plantas cultivadas.


"A vida civilizada não requer apenas o fogo, mas também as plantas cultivadas que esse mesmo fogo permite cozinhar"; e assim "começamos a compreender o lugar realmente essencial que cabe à culinária na filosofia indígena: ela não marca apenas a passagem da natureza à cultura; por ela, e através dela, a condição humana se define com todos os seus atributos, inclusive aqueles que - como a mortalidade - podem parecer os mais indiscutivelmente naturais". "Do Mel às Cinzas" (vol. II) trata das origens e do uso do mel e do tabaco, no livro representado por "cinzas". "A Origem dos Modos à Mesa" (vol. III) fala de receitas, dos modos de consumo, das regras de educação - próprias não apenas do ato de comer, mas também do viver em sociedade.


"Saber portar-se à mesa é saber portar-se socialmente", e isso diz comparando as figuras da canoa (que aproxima culturas distantes) e do fogo (essencial na formação cultural de um povo). Finalmente, em "O Homem Nu" (vol. IV) ensina que "dentre todas as técnicas culinárias, o forno de terra se apresenta como a que manifesta de modo mais pleno uma homologia formal e íntima entre a infra-estrutura e a ideologia ... a cada vez que é acendido, ele comemora majestosamente o conflito inicial, imagem antecipada de todos os que viriam a seguir, e cujo resultado foi a conquista do fogo". Depois confessaria que essa obra "mobilizou meu espírito, meu tempo, minhas forças, durante mais de vinte anos ... eu realmente vivi em um outro mundo".


Lévi-Strauss dizia em 1955 ("Tristes Trópicos") que "não há mais nada a fazer: a civilização já não é essa flor frágil que se preservava". Agora, perto do fim, se confessava desiludido. Por se considerar vivendo em "um mundo ao qual já não pertenço. O que eu conheci, o que eu amei, tinha 1,5 bilhão de habitantes. O mundo atual tem 6 bilhões de humanos. Já não é mais o meu mundo". Afinal, e bem visto, não era mesmo. Era agora um mundo melhor, precisamente por conta de sua luz.

Disponível em: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4125884-EI6614,00-A+culinaria+na+obra+de+LeviStrauss.html

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