30 novembro 2009

Projeto de pesquisa relaciona Direito e desenvolvimento

No artigo abaixo é divulgada a experiência de projeto de pesquisa desenvolvida pela Faculdade de Direito da USP em parceria com o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), que relaciona o Direito a questões no campo do desenvolvimento econômico.


Projeto em direito e desenvolvimento busca fugir da abstração comum às pesquisas jurídicas
Sociedade - 30.11.09
Cristiane Sinatura / USP Online
cristiane.sinatura@usp.br

Que relações e causalidades o processo de desenvolvimento de um país guarda com o direito? Em que medida o segundo determina ou influencia o primeiro, ou por ele é influenciado? É possível entender o desenvolvimento como um processo mediado e operado, entre outras variáveis, por normas e instituições jurídicas? Não é de hoje que perguntas desse tipo, envolvendo as relações entre o direito e o desenvolvimento de países, são suscitadas.
Com origens no século XIX, uma onda de estudos dedicada a tais questionamentos ganhou força na década de 1960, mas recuou em seguida. Hoje, renovada, torna a ser pertinente, principalmente quando se consideram os desafios decorrentes do subdesenvolvimento e os limites impostos pela globalização. Na Faculdade de Direito (FD) da USP, com participação do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), um projeto de pesquisa que relaciona direito e desenvolvimento surgiu em 2007. “A relação entre o direito e o desenvolvimento não é exatamente clara”, afirma o professor Diogo Rosenthal Coutinho, pesquisador da linha na FD. "A própria pergunta de como se relacionam variáveis jurídicas e seus efeitos no desenvolvimento é que dá início aos estudos”.
As pesquisas em direito no Brasil se desenvolvem de forma essencialmente teórica e, como regra, voltadas para a comprovação de uma “única resposta certa” em casos judiciais. Para o professor Coutinho, “no campo do direito somos carentes de pesquisas empíricas, que se dediquem à prática cotidiana das políticas públicas”. É nessa lacuna que pode estar o diferencial dos estudos que relacionam direito e desenvolvimento. “Enquanto a pesquisa tradicional em direito normalmente utiliza pressupostos gerais ou princípios abstratos para analisar questões específicas, alguns pesquisadores têm tentado fazer o caminho inverso: partir do específico, isto é, desta ou daquela ação concreta, para chegar ao geral e, daí, tirar conclusões que tenham validade científica e potencial transformativo da realidade”, explica.


Menos abstração, mais empirismo

Para dar o primeiro passo nas pesquisas, Coutinho ressalta que é importante ter uma definição clara, ainda que limitada, de desenvolvimento. “Trata-se de uma palavra muito ampla, que envolve temas complexos como crescimento econômico, sustentabilidade, inovação tecnológica e redução da pobreza e da desigualdade”, resume.

Contudo, seja qual for a tradução que se dê a desenvolvimento, o professor acredita que “a premissa é de que ele depende de ações concretas – políticas públicas – que, por sua vez, dependem intensamente do direito". Isso porque toda política pública instituída em um país é juridicamente moldada, de modo que o direito pode ser entendido como uma espécie de tecnologia, de melhor ou pior qualidade, para o sucesso das políticas. “Em outras palavras, se o desenvolvimento inegavelmente depende de boas decisões políticas, é preciso reconhecer que ele também é produto de uma bem concertada instrumentalização jurídica”.
Segundo Coutinho, há fundamentalmente três papéis para o direito no desenvolvimento. Ele pode ser visto com um conjunto de objetivos, como um leque de ferramentas ou como um vetor de estruturação de arranjos institucionais. O direito como objetivo corresponde ao desafio de identificar quais são as metas das políticas de desenvolvimento. Como ferramenta, é a seleção de meios empregados para atingir os objetivos pré-definidos. Já o direito como arranjo significa uma construção jurídico-institucional que implica, entre outras coisas, partilhar responsabilidades entre atores públicos e privados.
O tema da pesquisa do professor Coutinho é um bom exemplo para ilustrar esses papéis do direito. Trata-se de uma análise do programa “Bolsa Família”, uma política social do governo federal que tem como objetivo reduzir a pobreza por meio do pagamento de um benefício às famílias inscritas. Como ferramenta, o programa recorre a condicionalidades – a família só recebe o valor da bolsa se comprovar que a criança frequenta regularmente a escola, por exemplo. Em relação aos arranjos institucionais, o direito colabora, por meio das leis e atos normativos, para a divisão de funções entre ministérios e municípios envolvidos no “Bolsa Família”.
Coutinho explica que, no entanto, se as leis não forem elaboradas ou implementadas corretamente, o direito pode acabar representando um entrave para o desenvolvimento de um país. Como exemplo, ele cita a questão do imposto de renda. “O imposto de renda tem uma função distributiva no capitalismo, mas no Brasil ele concentra renda ao invés de dividi-la. Temos aí o direito cristalizando a desigualdade”, explica o professor.
Já a formatação de políticas de fomento à pesquisa e à inovação, na opinião de Coutinho, são bons exemplos de contribuições positivas do direito ao desenvolvimento do país. “Viabilizar a transformação de boas ideias em produtos para a sociedade é contribuir amplamente com a inovação tecnológica, um dos principais fatores do desenvolvimento”, enfatiza o professor da FD.


Projeção internacional
A pesquisa de direito e desenvolvimento com foco no “Bolsa Família”, coordenada pelo professor Coutinho, é uma das representantes brasileiras na rede de pesquisas mundial Law and the New Developmental State (Lands), da qual fazem parte outros pesquisadores brasileiros, colombianos, mexicanos, argentinos e venezuelanos. Cada pesquisador realiza estudos em uma das áreas do desenvolvimento. Assim, além da desigualdade e pobreza, campos de atuação do professor da FD, a rede também aborda inovação tecnológica, comércio internacional, investimentos estrangeiros, entre outros temas.
O foco dos trabalhos do Lands é desenvolver uma análise jurídica de programas de desenvolvimento criados nos países participantes. Alguns dos pontos a serem considerados são: existem inovações jurídicas interessantes nesses programas? São dadas soluções jurídicas inovadoras em relação ao que já existia? Como esses programas diferem das políticas públicas dos últimos 60 anos? As análises de cada pesquisador serão publicadas em um futuro livro da rede.

Disponível em: < http://www4.usp.br/index.php/sociedade/18012-projeto-em-direito-e-desenvolvimento-busca-fugir-da-abstracao-comum-as-pesquisas-juridicas  >

Nenhum comentário:

Postar um comentário