16 dezembro 2009

Dilema da ação política

Neste artigo o prof. Cristiano Paixão faz uma análise crítica dos fatos relativos ao escândalo envolvendo o governador do DF e diversos políticos revelados na Operação Caixa de Pandora, e aos atos de agressão e repressão ao movimento estudantil que tem se destacado na mobilização pela ética na política do Distrito Federal. 
Cristiano Paixão é professor da Faculdade de Direito da UnB, membro da Coordenação do Observatório da Constituição e da Democracia (Observatório C&D), integrante dos grupos de pesquisa “Direito achado na rua” e “Sociedade, tempo e direito”, e  procurador do Ministério Público do Trabalho em Brasília - DF.

Dilema da ação política

DEMOCRACIA - 16/12/2009

Cristiano Paixão*

Nos últimos dias, dois golpes foram desferidos contra a ética no Distrito Federal. O primeiro deles veio com a Operação Caixa de Pandora, que desvelou, em vídeos constrangedores, as condutas mais condenáveis praticadas por expressiva parcela dos agentes políticos do DF. O segundo golpe decorre do primeiro e tem conseqüências igualmente nefastas: trata-se da severa repressão lançada sobre os manifestantes anti-Arruda nos dias 8 e 9 de dezembro.


No dia 8, foi executada decisão da 1ª Vara da Fazenda Pública do DF, que determinou a desocupação imediata das instalações da Câmara Legislativa, até então tomada por manifestantes contrários aos atos de corrupção, que reivindicavam o afastamento do governador. No dia 9, uma passeata procurou interferir no tráfego do Eixo Monumental. O resultado foi uma ação desproporcional, violenta e arbitrária da Polícia Militar, com prisões e agressões aos participantes do evento.


Se esses dois episódios forem analisados em conjunto, eles revelarão que boa parte do aparato institucional do Distrito Federal – incluindo-se setores do Poder Judiciário – foi responsável pela supressão de um dos direitos civis mais básicos, que é inerente a qualquer democracia: o direito de protestar. E o que é pior: nos dois casos, os protestos foram organizados por estudantes, o que significa afirmar que a repressão atingiu a população jovem do DF.


Voltemos aos dois eventos. No primeiro deles, a decisão judicial que ordenou a reintegração de posse determinou a imediata desocupação das instalações da Câmara Legislativa e proibiu a entrada, naquele prédio, de “toda e qualquer pessoa estranha aos serviços da casa”. A decisão não parou aí: apenas “parlamentares e funcionários” poderiam ingressar na Câmara. O que chama a atenção é a abrangência da ordem judicial. Se ela fosse cumprida à risca, nenhum cidadão poderia ter acesso à Câmara Legislativa (seus corredores, suas galerias, seus gabinetes), se não fosse servidor ou deputado distrital. Para abrandar as conseqüências de decisão tão singular, a OAB-DF impetrou habeas corpus e obteve salvo-conduto do Tribunal de Justiça do DF.


No segundo caso, a brutalidade da polícia conseguiu superar os padrões mais vergonhosos da história política brasiliense. Nem nos idos de 1984, durante as “medidas de emergência” decretadas pelo presidente João Figueiredo e executadas com orgulho pelo general Newton Cruz, a polícia foi tão violenta. O máximo que o general Cruz poderia fazer, ao menos em público, era golpear os carros que buzinavam em apoio às Diretas Já e anotar suas respectivas placas, além, é claro, de bradar ordens do alto de sua cavalaria (ordens essas que eram desobedecidas pelos motoristas, que continuavam a buzinar). Ali se via o crepúsculo do regime militar: tropas do Exército que procuravam inutilmente deter o curso da política e o exercício da cidadania. O episódio entrou para a história como um dos mais patéticos do período ditatorial.


A polícia do Governo Arruda, por outro lado, nada tem de patética. Ela é bem armada, violenta e muito mais descontrolada que as tropas do general Cruz. Utilizou armamento pesado, colocou seus cavalos para pisotear cidadãos, disparou balas de borracha, agrediu vários estudantes e não parou enquanto não fosse eliminado todo e qualquer foco de manifestação. No dia seguinte, nenhum pedido de desculpas, nenhuma demissão dos oficiais que comandaram a operação, nenhum reconhecimento dos excessos.


Essas duas ações repressivas desmesuradas podem gerar uma consequência indesejável: o desencanto pela política. Os estudantes e militantes que se mobilizaram para ocupar a Câmara Legislativa e protestar no Eixo Monumental escolheram dois lugares repletos de significado: a sede do Poder Legislativo e a via pública em frente ao Palácio de Governo do DF (ainda que o Buriti não seja mais o centro do poder administrativo, ele ainda simboliza o Executivo local). Ao escolher esses locais, eles demonstraram acreditar na política, na medida em que suas ações tinham como objetivo obter o apoio da população para a sua pauta de reivindicações.


Essas reivindicações eram: impeachment, renúncia coletiva, abertura de processos de perda de mandato. Todos esses institutos estão previstos na Constituição e nas leis. Todos eles reafirmam o regime democrático. Todos eles demonstram a crença no voto – afastados aqueles que não honraram seus respectivos mandatos, novas eleições serão realizadas.


Quando as forças de segurança se dirigem de modo tão determinado contra esses jovens manifestantes, elas acabam (conscientemente ou não) alijando toda uma geração da luta política. O desencanto se aprofunda. O ceticismo em relação à democracia se confirma. A política se esvai como forma de reivindicação, e com ela se perde a referência aos locais em que a cidadania, desde sempre, exerceu sua voz: os palácios e as ruas. Devemos então indagar: se a população não pode dirigir-se ao Legislativo e tampouco protestar na via pública, onde ela irá se manifestar? Como ela poderá combater os desvios éticos de seus governantes?


Cabe à atual geração construir alternativas, com ações concretas e criativas. A geração pós-Diretas, pós-Constituinte e pós-impeachment de Collor se vê agora com a tarefa de encontrar novas formas de reivindicação e luta. Mesmo que, para tanto, seja obrigada a provocar a desordem. Afinal de contas, como lembrado por Edgar Morin, um dos aspectos da desordem é aquilo que chamamos liberdade.


*Cristiano Paixão é professor da Faculdade de Direito da UnB. Membro da Coordenação do Observatório da Constituição e da Democracia. Integrante dos grupos de pesquisa “Direito achado na rua” e “Sociedade, tempo e direito”. É também procurador do Ministério Público do Trabalho em Brasília.

Fonte: http://www.unb.br/noticias/unbagencia/artigo.php?id=219

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