20 janeiro 2010

Desafio à educação

Desafio à educação


Por José Geraldo de Sousa Junior,
Reitor da Universidade de Brasília (UnB)


Ao adotar, em 1996, o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), o Brasil foi um dos primeiros países a seguir a recomendação da Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993) de atribuir aos direitos humanos a condição de política pública governamental. Desde então, importantes debates têm ocorrido por meio de uma interlocução construtiva entre governo, parlamento e sociedade civil, cujo instrumento eficiente é a série de Conferências Nacionais de Direitos Humanos.
Uma das mais significativas atualizações incorporadas ao PNDH-2, implementado a partir de 2002, foi a inclusão dos direitos econômicos, sociais e culturais de forma coerente com o princípio de indivisibilidade e interdependência de todos os direitos humanos (Viena, 1993).
Aspecto muito importante do avanço do processo de institucionalização do programa nacional foi a elaboração do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), iniciado em 2003, com a formação do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (CNEDH), que trouxe para o lugar de política pública a dimensão pedagógica do tema e chamou para o campo de ação (educação básica, superior e não formal; mídia e profissionais de segurança e justiça) o comprometimento com a cultura de respeito e promoção dos direitos humanos.
Completa-se agora mais uma atualização, denominada PNDH-3, com uma rara continuidade institucional em sua implementação e monitoramento, que atravessa governos de diferentes orientações e mobiliza setores sociais e políticos ideologicamente distintos.
Elaborado por 14 mil representantes do poder público e da sociedade civil, o PNDH-3 propõe uma política de direitos humanos para o país em seis eixos temáticos: interação democrática entre Estado e sociedade civil; modelo de desenvolvimento sustentável, inclusivo e participativo; universalização de direitos em contexto de desigualdades; segurança pública, acesso à Justiça e combate à violência; educação e cultura e direito à memória e à verdade.
O eixo educação e cultura em direitos humanos reforça a implementação do PNEDH e estabelece princípios para fortalecer uma cultura democrática de direitos por meio da educação básica e superior. Quanto à última, a inclusão do tema nas Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação, a criação de cursos de pós-graduação, pesquisas e projetos de extensão nessa área, enriquece o debate universitário e garante a participação
efetiva do ensino superior no avanço democrático do país.
Apesar disso, surpreende uma reação extemporânea a esse rico processo, a partir do momento do decreto de sua aprovação. Primeiro, uma reação interna ao próprio governo, como, por exemplo, em relação à proposta da instalação de uma Comissão Nacional da Verdade, com poder para apurar violações dos direitos humanos, especialmente torturas, mortes e desaparecimentos, de acordo com resolução de 2006 da Organização dos Estados Americanos (OEA). Por essa razão, o PNDH-3 se volta para a busca de outro tipo de racionalidade, orientada por uma versão crítica e emancipatória dos direitos humanos, segundo uma pauta jurídica, ética, social e pedagógica.
Ao contrário do que se tem argumentado de forma mais restrita (Ignez Martins Tollini, “Educação e decreto dos direitos humanos”, CB, 15/1/10, pág. 15), as diretrizes para a educação contidas no PNDH-3, seja quanto ao monitoramento da escolha de livros didáticos, seja quanto às interpelações dirigidas às universidades (ver de minha autoria “Educação em direitos humanos: desafios às universidades”, Revista Direitos Humanos nº 02, SEDH, Brasília, 2009, págs. 35-40), seja como resgate da memória como referência ética para educar pela história (ver de minha autoria “Memória e verdade como direitos humanos”. In: Ideias para a cidadania e para a Justiça, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 2008), fundam, de fato, um projeto educativo emancipatório e abrem desafios à educação, em todos os níveis, visando à nova base epistemológica da formação, sobretudo nas escolas e universidades, alargando o âmbito das pautas pedagógicas para a cidadania em seus diferentes espaços.
 Correio Brasiliense, 20.01.2009

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