09 abril 2010

Vinte e cinco anos sem Cora Coralina

Há exatos vinte e cinco anos, em 8 de abril de 1985, falecia Cora Coralina, a Aninha da casa velha da ponte, a grande poetisa do Goiás.

Todas as vidas

Cora Coralina

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo....

Vive dentro de mim
a lavadeira do rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra e anil.
Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim
A mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem-feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de côco.
Pisando alho e sal.

Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos
de casca grossa,
de chinelinha,
e filharada.

Vive dentro de mim
A mulher roceira.
– enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
seus vinte netos.

Vive dentro de mim
A mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
A vida mera das obscuras.

(Cora Coralina. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. São Paulo: Círculo do Livro. 4.ª ed.)

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