20 outubro 2010

José Serra: Dois pesos, duas medidas.

José Serra: dois pesos, duas medidas

Maria Cristina Cardoso Pereira*


Saiu no sábado 16, na Folha de São Paulo, matéria que trata do aborto realizado por Monica Serra (esposa do candidato presidencial José Serra). O fato teria ocorrido quando ambos moravam no Chile. Foi narrado pela própria Monica Serra para suas alunas e alunos do curso de dança, da Unicamp, em 1999. Lamentável por três motivos. Primeiro, porque aborto é coisa dolorosa, triste, deprimente. Imagino a dor de Monica Serra à época, tendo que abrir mão de um filho ou filha querido, ainda mais porque se encontrava na companhia do marido jurado de morte pela ditadura militar brasileira. Não era uma mãe solteira, mas uma mãe cuja condição se equivalia ao apátrida, afastado do convívio com seus parentes, amigos e sua própria pátria, traída pela ditadura militar. Como quero crer que não se tem notícia de quem tenha feito um aborto por brincadeira ou diversão, lamento por Monica Serra e também por seu companheiro à época, o exilado José Serra.

Lamento o aborto de Monica Serra por um segundo motivo: trazido o tema genérico para o debate atual pelo seu marido, o candidato José Serra, expõe sua própria esposa, a professora Monica Serra, a uma situação lastimável de rememoração da dor e revivência das cobranças que, ao contrário de hoje, talvez tenham sido evitadas à época: refiro-me às perguntas inevitáveis sobre porquê teria realizado procedimento tão drástico, o que sentiu, porque o fez - caso o procedimento tivesse sido publicizado à época. Não se enganem: realizar ou sofrer um aborto envolve questionamentos que somente uma mulher pode conhecer. Lamento, na condição de quem sofreu um aborto espontâneo recentemente, a exposição de Monica Serra - que certamente o realizou por absoluta falta de perspectiva pessoal e familiar.

Por fim, lamento porque revela a maliciosa e desonesta postura de José Serra que, ao defender o "direito a vida" (como se alguém em sã consciência, no Estado democrático de direito, pudesse ser contra) tenta, por oposição e negação, imputar a Dilma Russef a defesa do aborto indiscriminado. O preço da ousadia em termos filosóficos e morais logo cobrou sua fatura em termos práticos.

Ao preço da exposição de sua própria esposa, Serra está tentando se aproveitar da ignorância das massas - que acreditam mesmo que votar em um presidente que defende a legislação sobre o aborto significa pecar e condenar-se a apodrecer no inferno. No fundo, essa é a questão que José Serra soube bem capitalizar para si: a ignorância das massas. Como diz Elias Canetti, multidões têm pressa de chegar ao ponto em que "a maioria das pessoas está unida".

Para quem se interessar em verificar in loco a matéria, segue o link:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po1610201011.htm

---
* Coordenadora do curso de Direito da Universidade Federal de Goiás, Campus Jataí.

Nenhum comentário:

Postar um comentário