10 julho 2011

Dom Pedro Casaldáliga: A Testemunha Fiel

A Testemunha fiel


Por ocasião da Romaria dos Mártires no mês de julho, dias 16 e 17, em Ribeirão Cascalheira, MT, publicamos aqui um texto de Pedro Casaldáliga recentemente publicado no boletim Alvorada da Prelazia de São Félix do Araguaia:

O tema-lema da nossa Romaria dos Mártires deste ano de 2011 é TESTEMUNHAS DO REINO. O título mais abrangente e mais profundo que se podia escolher para uma romaria martirial. Dar a vida dando testemunho do Deus da Vida, da Paz, do Amor. Todos aqueles e aquelas que vão doando a sua vida, no dia a dia e a dão ‘de um golpe’, na hora final da sua caminhada, são testemunhas do projeto de Deus para a Humanidade, para o Universo; respondem com o que têm de melhor ao sonho de Deus, ao Reino, ao Reino de Deus.

Com essa duas palavras –«Testemunhas do Reino»– sintetizamos tudo o que se possa dizer de uma vida doada, de uma morte vivida. Na visão cristã mais tradicional essa morte é vivida pela Fe cristã. Os mártires que a Igreja reconhece oficialmente são mártires da Fé, da Moral cristã, do Evangelho, explicitamente: missioneiros tal vez, vítimas da caridade heróica, virgens radicalmente fieis ao divino Esposo. Numa visão cristã renovada, mais profunda, mais consoante com a Palavra e com a Vida, com a Morte e a Ressurreição de Jesus, são mártires todos aqueles e aquelas que dão sua vida na morte pelas causas do Reino, pela justiça, pela paz, pela solidariedade, pela ecologia, pela verdadeira promoção do próximo marginalizado. Jesus no Evangelho os define categoricamente: a prova maior do amor é dar a vida por amor. Nosso padre João Bosco deu a vida como missionário entre indígenas e camponeses e deu a vida para libertar a duas mulheres submetidas à tortura.

Nestes dias é notícia, pelo menos nos meios de comunicação mais ao serviço do povo, a morte matada, no Sul do Pará, de um casal de militantes no serviço da Natureza, Zé Cláudio e Maria do Espírito Santo. Depois de Chico Mendes e da irmã Dorothy, mais dois ambientalistas são assassinados no Sul do Pará. Tristemente no mesmo dia em que a Câmara dos Deputados aprova o sinistro Novo Código Florestal, que legalizará o desmatamento, anistiando os crimes dos madeireiros. Zé Cláudio e Maria do Espírito Santo são dois novos mártires da floresta.

Ser cristão, cristã, é dar testemunho; responder com a própria vida aos apelos do Reino e contestar profeticamente à iniqüidade do antireino. Responder diariamente, com fidelidade, ao Amor de Deus no serviço fraterno. É ser coerente, com a palavra feita anúncio e com o anúncio feito prática. É ser testemunha, em primeiro lugar, da suprema testemunha, Jesus de Nazaré, proclamado no Apocalipse como «A Testemunha fiel». Ele veio para fazer a vontade do Pai, testemunhando radicalmente o amor de Deus. Ele veio para que todos tenhamos vida e vida plena. Ele repetiu ante seus perseguidores e todo o povo que suas obras davam testemunho d’ Aquele que o enviou.

É uma corrente de ‘testemunhança’. Jesus dá testemunho do Pai, os mártires dão testemunho de Jesus, nós damos testemunho dos nossos mártires. Somos testemunhas de testemunhas. E celebramos a Romaria dos Mártires da Caminhada, no Santuário de Ribeirão Cascalheira, para manter viva a memória de todos aqueles e aquelas que tombaram gloriosamente, com o testemunho do próprio sangue. Celebramos a Romaria dos Mártires num dia, num lugar, para re-assumir o compromisso de vivermos como testemunhas do Reino, cada dia, e em todo lugar. Para dar testemunho do testemunho de nossos mártires e renovar, com paixão, com radicalidade, com alegria, o nosso seguimento de Jesus, na procura do Reino, na vivência do Reino, na celebração do Reino, na invencível esperança do Reino.

Para a minha ordenação sacerdotal, lá pelos anos de 1952, escolhi como lembrança um santinho com aquela pintura de El Greco que apresenta Jesus olhando para o Pai e entregando-se a seu serviço: Os sacrifícios não te agradaram e eu vim para fazer a tua vontade. No santinho recolhi o versículo 8 do capítulo 1 do livro dos Atos dos Apóstolos, «Vocês serão minhas testemunhas até os confins da Terra».

E de qualquer confim e em toda circunstância seguiremos na caminhada, como testemunhas de testemunhas, como TESTEMUNHAS DO REINO.

Pedro Casaldáliga
26 de maio de 2011

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