04 agosto 2010

nesta data, em 1944, a polícia invadia o esconderijo da família de Anne Frank

O Diário de Anne Frank

SÁBADO, 20 de Junho de 1942
(...)
Depois de maio de 1940 os bons tempos foram poucos e muito espaçados: primeiro veio a guerra, depois a capitulação, e em seguida a chegada dos alemães, e foi então que começaram os problemas para os judeus. Nossa liberdade foi seriamente restringida com uma série de decretos anti-semitas: os judeus deveriam usar uma estrela amarela; os judeus eram proibidos de andar nos bondes; os judeus eram proibidos de andar de carro, mesmo que fossem carros deles; os judeus deveriam fazer suas compras entre três e cinco horas da tarde; os judeus só deveriam frequentar barbearias e salões de beleza de proprietários judeus; os judeus eram proibidos de sair às ruas entre oito da noite e seis da manhã; os judeus eram proibidos de comparecer a teatros, cinemas ou qualquer outra forma de diversão; os judeus eram proibidos de freqüentar piscinas, quadras de tênis, campos de hóquei ou qualquer outro campo de atletismo; os judeus eram proibidos de ficar em seus jardins ou nos de amigos depois das oito da noite; os judeus deveriam freqüentar escolas judias etc. Você não podia fazer isso nem aquilo, mas a vida continuava. (...)




DOMINGO, 5 de Julho de 1942
Há alguns dias, enquanto dávamos um passeio pela praça perto de casa, papai começou a falar sobre se esconder.
(...)


SÁBADO, 11 de Julho de 1942
Acho que nunca me sentirei à vontade nesta casa, mas isso não significa que eu a odeie. É mais como estar de férias em alguma pensão estranha. É um meio estranho de ver a vida num esconderijo, mas é assim que as coisas são. O Anexo é um lugar ideal para se esconder. Pode ser úmido e torto, mas provavelmente não há esconderijo mais confortável em Amsterdã.
(...)

Ontem à noite nós quatro descemos ao escritório particular e ouvimos a Inglaterra pelo rádio. Fiquei tão apavorada com a possibilidade de alguém escutar que literalmente implorei que papai me levasse de novo para cima. Mamãe compreendeu minha ansiedade e foi comigo. Independentemente do que façamos, temos muito medo que os vizinhos possam nos ver ou ouvir.
(...)


COMENTÁRIO ACRESCENTADO POR ANNE EM 28 DE SETEMBRO DE 1942:
Não poder sair me deixa mais chateada do que posso dizer, e me sinto aterrorizada com a possibilidade de nosso esconderijo ser descoberto e sermos mortos a tiros. Esta, claro, é uma perspectiva muito desanimadora.
(...)

SEXTA-FEIRA, 21 DE AGOSTO DE 1942
Agora nosso Anexo Secreto tornou-se realmente secreto. Como tantas casas estão sendo revistadas em busca de bicicletas escondidas, o Sr. Kugler achou que seria melhor construirmos uma estante de livros na frente da entrada de nosso esconderijo. O Sr. Voskuijl fez o trabalho de carpintaria.
(...)

SEXTA-FEIRA, 9 DE OUTUBRO DE 1942
Hoje só tenho notícias tristes e deprimentes a contar. Nossos muitos amigos e conhecidos judeus estão sendo levados aos montes. A Gestapo está tratando todos eles muito mal, e transportando-os em vagões de gado para Westerbork, o grande campo em Drensthe para onde estão mandando todos os judeus. Miep contou sobre alguém que conseguiu escapar de lá. Eve ser terrível em Westerbork. As pessoas não têm praticamente nada para comer, muito menos para beber, já que só existe água uma hora por dia, e há somente um toalete e uma pia para vários milhares de pessoas. Homens e mulheres dormem no mesmo cômodo, e as mulheres e as crianças costumam ter as cabeças raspadas. Fugir é quase impossível; muitas pessoas têm aparência de judias, e são marcadas pelas cabeças raspadas.
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Mas este não é o fim das minhas lamentações. Você já ouviu a palavra refém? É a punição definitiva para os sabotadores. É a coisa mais horrível que você pode imaginar. Cidadãos importantes – gente inocente – são levados como prisioneiros para esperar a execução. Se a Gestapo não conseguir encontrar o sabotador, eles simplesmente pegam cinco reféns e os colocam em fila diante de um muro. Você lê o anúncio da morte deles no jornal, onde são citados como acidentes fatais.
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QUINTA-FEIRA, 29 DE OUTUBRO DE 1942
Estou muito preocupada. Papai está doente. Está coberto de pintas e tem febre alta. Parece sarampo. Imagine só, nós nem podemos chamar um médico! Mamãe está fazendo ele transpirar, na esperança de que a febre saia com o suor.
(...)

SÁBADO, 07 DE NOVEMBRO DE 1492.
Pois é. Tanta coisa me passa pela cabeça à noite, quando estou sozinha, ou durante o dia quando sou obrigada a estar perto de gente que não suporto ou que invariavelmente interpreta mal minhas intenções! É por isso que sempre termino voltando ao meu diário – começo nele e termino nele porque Kitty é sempre paciente.
(...)

QUINTA-FEIRA, 19 DE NOVEMBRO DE 1942
(...) Você pode rir, mas essas coisas não são tão fáceis num esconderijo. Durante o dia não podemos fazer nenhum barulho que possa ser ouvido lá embaixo, e quando há alguém estranho lá, como a faxineira, temos de ser especialmente cuidadosos. (...)

O Sr. Dussel contou muita coisa que não sabíamos sobre o mundo lá fora. Ele tinha notícias tristes. Incontáveis amigos e conhecidos foram levados para um destino terrível. Noite após noite, veículos militares verdes e cinza cruzam as ruas. Eles batem em todas as portas, perguntando se ali mora algum judeu. Em caso positivo, toda a família é levada embora. Caso contrário, eles passam para a outra residência. É impossível escapar de suas garras a não ser que você se esconda. (...) Frequentemente oferecem recompensa, tantos florins por cabeça. (...) À noite, quando está escuro, costumo ver longas filas de gente boa e inocente acompanhada por crianças chorando, andando e andando, controladas por um punhado de homens que as empurram e batem até quase caírem. Ninguém é poupado. Os doentes, os velhos, as crianças, os bebês e as mulheres grávidas – todos são forçados a marchar em direção à morte.

Temos muita sorte aqui, longe do tumulto. Não pensaríamos sequer por um minuto em todo esse sofrimento se não estivéssemos tão preocupados com as pessoas queridas, a quem não podemos ajudar. Sinto-me má ao dormir numa cama quente, enquanto em algum lugar meus melhores amigos estão caindo de exaustão ou sendo derrubados.
(...)

SÁBADO, 28 DE NOVEMBRO DE 1942
(...) Nenhuma luz durante quatorze dias; idéia agradável, não é? Mas, quem sabe, talvez não demore tanto! Fica muito escuro para ler depois das quatro e meia, por isso matamos o tempo com todo tipo de atividade maluca: contar charadas, fazer ginástica no escuro, falar inglês ou francês, criticar livros – depois de algum tempo tudo fica chato. Ontem descobri um novo passatempo: usar um bom binóculo para espiar os cômodos iluminados dos vizinhos. Durante o dia nossas cortinas não podem ser abertas, nem um centímetro, mas não há perigo quando fica escuro.
(...)

QUARTA-FEIRA, 13 de janeiro de 1943
Coisas terríveis estão acontecendo lá fora. A qualquer hora do dia ou da noite pessoas pobres e desamparadas são retiradas de suas casas. Não trem permissão de levar nem mesmo uma sacola com coisas e um pouco de dinheiro, e mesmo quando têm, essas posses lhes são roubadas no caminho. Famílias são rompidas, homens, mulheres e crianças são separados. Crianças chegam da escola e descobrem que os pais desapareceram. Mulheres voltam das compras e descobrem as casas lacradas, e que as famílias desapareceram. Os cristãos holandeses também estão com medo porque seus filhos são mandados à Alemanha. Todo mundo anda apavorado. (...)

E quanto a nós, somos bastante felizardos. Temos mais sorte do que milhões de pessoas. Aqui é calmo e seguro, e estamos usando nosso dinheiro para comprar comida. Somos tão egoístas que falamos sobre “depois da guerra” e ficamos ansiosos por roupas e sapatos novos, quando deveríamos estar economizando cada centavo para ajudar os outros quando a guerra terminar, para salvar o que pudermos.
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SÁBADO, 27 DE FEVEREIRO DE 1943
Imagine o que nos aconteceu: o proprietário do prédio vendeu-o sem informar ao Sr. Kugler e ao Sr. Kleiman. Um dia desses o novo proprietário chegou com um arquiteto para examinar o local. Graças a Deus o Sr. Kleiman estava no escritório. Ele mostrou aos cavalheiros o que havia para ser visto, com exceção do Anexo Secreto. Disse que havia deixado a chave em casa e o novo proprietário não fez mais perguntas.
(...)

QUARTA-FEIRA, 10 DE MARÇO DE 1943
Ontem à noite tivemos um curto-circuito, e além disso os canhões ficaram disparando até o amanhecer. Ainda não superei meu medo de aviões e tiros, e me arrasto até a cama de papai quase todas as noites, em busca de conforto.
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SÁBADO, 1.º DE MAIO DE 1943
Esta noite os canhões atiraram tanto que tive de juntar meus pertences quatro vezes. Hoje enchi uma mala com as coisas de que vou precisar caso tenha de fugir, mas como mamãe observou corretamente: “Para onde você iria?”.
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DOMINGO, 2 DE MAIO DE 1943
... cada dia é cheio de tensão. A expectativa e a esperança geram tensão, assim como o medo – por exemplo, quando ouvimos um barulho dentro ou fora da casa, quando os canhões atiram ou quando lemos novas “proclamações” no jornal, já que temos medo de que as pessoas que nos ajudam sejam forçadas a também se esconderem algum dia desses. Todo mundo está falando em se esconder.
(...)

TERÇA-FEIRA, 18 DE MAIO DE 1943
Todos os estudantes universitários estão precisando assinar uma declaração oficial dizendo que “simpatizam com os alemães e aprovam a Nova Ordem”. Oitenta por cento decidiram obedecer à consciência, mas a penalidade será severa. Qualquer estudante que se recuse a assinar será mandado a um campo de trabalho alemão.
(...)

QUINTA-FEIRA, 16 DE SETEMBRO DE 1943
Os relacionamentos aqui no Anexo estão ficando piores a cada dia. Não ousamos abrir a boca na hora das refeições (a não ser para botar comida), porque não importa o que dissermos, alguém acaba se ressentindo ou entende de modo errado. (...)

Estou tomando valeriana todos os dias para controlar a ansiedade e a depressão, mas isso não impede que me sinta ainda mais infeliz no dia seguinte. Uma boa gargalhada ajudaria mais do que dez gotas de valeriana, mas quase esquecemos como se gargalha. Algumas vezes tenho medo de que meu rosto afrouxe com toda essa tristeza e que minha boca fique permanentemente caída nos cantos. Os outros não estão melhor. Todo mundo anda apavorado com o grande terror chamado inverno.

Outro fato que não anima exatamente os nossos dias é que o Sr. Van Maaren, o homem que trabalha no armazém, está suspentando do Anexo.
(...)

SEGUNDA-FEIRA, 22 DE MAIO DE 1944
Para grande tristeza e frustração, ouvimos dizer que muita gente mudou de atitude com relação a nós, judeus. Disseram-nos que o anti-semitismo brotou em ambientes onde antes seria impensável. Isso nos afetou muito, muito profundamente. O motivo para o ódio é compreensível, talvez até mesmo humano, mas isso não o torna direito. Segundo os cristãos, os judeus estão contando os segredos deles aos alemães, denunciando as pessoas que os ajudaram e fazendo com que sofram o destino terrível e as punições que já foram lançados contra tantos. Isso é verdade. Mas como acontece com tudo, eles deveriam ver a questão pelos dois lados: será que os cristãos agiriam diferente se estivessem em nosso lugar? Será que alguém, independentemente de ser judeu ou cristão, continua quieto diante da pressão dos alemães? Todo mundo sabe que é praticamente impossível, então por que pedem o impossível aos judeus?

Ah, é triste, muito triste, que o velho ditado seja confirmado pela milésima vez: “O que um cristão faz é sua própria responsabilidade, o que um judeu faz reflete-se sobre todos os judeus”.
(...)

QUINTA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 1944
O mundo virou de cabeça para baixo. As pessoas mais decentes são mandadas para campos de concentração, prisões e solitárias, enquanto os mais baixos dos mais baixos governam jovens e velhos, ricos e pobres. Um é preso por negociar no mercado negro, outro por esconder judeus ou pessoas desafortunadas. Se você não é nazista, não sabe o que vai lhe acontecer de um dia para o outro.

(...) Mamãe disse que vamos abrir mão do café da manhã, comer cereal quente e pão no almoço e batatas fritas no jantar e, se possível, legumes ou alface uma ou duas vezes por semana. É só o que há. Vamos passar fome, mas não é pior do que irmos presos.

SEXTA-FEIRA, 26 DE MAIO DE 1944
Os canos de esgoto estão entupidos de novo. Não podemos abrir as torneiras e, se abrimos, é só um fio; não podemos dar descarga, por isso temos de usar uma vassourinha de privada; e estamos colocando a água suja num grande vaso de cerâmica. Por hoje, conseguimos nos virar...
(...)

Eu me perguntei repetidamente se não teria sido melhor não termos nos escondido, se estivéssemos mortos agora e não tivéssemos de passar por todo esse infortúnio, e especialmente para que os outros fossem poupados desse fardo. Mas nos encolhemos só de pensar. Ainda amamos a vida, ainda não esquecemos a voz da natureza, e continuamos com esperança... de tudo.

Que aconteça alguma coisa logo, até mesmo um ataque aéreo! Nada pode ser mais esmagador do que essa ansiedade. Que chegue o final, mesmo sendo cruel; (...)

QUARTA-FEIRA, 31 DE MAIO DE 1944
(...) O tempo de calor é horrível no Anexo. (...)

SEXTA-FEIRA, 9 DE JUNHO DE 1944
A empolgação por aqui diminuiu um pouco; mesmo assim, ainda estamos todos esperando que a guerra termine no fim do ano. (...)

TERÇA – FEIRA, 13 DE JUNHO DE 1944
Outro aniversário passou, agora tenho quinze anos. (...)

SÁBADO, 15 DE JULHO DE 1944
(...)

Qualquer pessoa que afirma que os mais velhos passam por maiores dificuldades no Anexo não percebe que o problema tem um impacto muito maior sobre nós. Somos muito jovens para enfrentar esses problemas, mas eles vivem nos afligindo até que, finalmente, somos forçados a imaginar uma solução, ainda que na maior parte das vezes nossas soluções desmoronem diante dos fatos. Em tempos assim fica difícil; ideais, sonhos e esperanças crescem em nós, somente para ser esmagados pela dura realidade. É um espanto que eu não tenha abandonado todos os meus ideais, já que parecem tão absurdos e pouco práticos. Mas me agarro a eles porque ainda acredito, a despeito de tudo, que no fundo as pessoas são boas.

Para mim é totalmente impossível construir a vida sobre um alicerce de caos, sofrimento e morte. Vejo o mundo ser lentamente transformado numa selva, ouço o trovão que se aproxima e que, um dia, irá nos destruir também, sinto o sofrimento de milhões. E mesmo assim, quando olho para o céu, sinto de algum modo que tudo mudará para melhor, que a crueldade também terminará, que a paz e a tranquilidade voltarão. Enquanto isso, devo me agarrar aos meus ideais. Talvez chegue o dia em que eu possa realizá-los!

(Trechos de O Diário de Anne Frank. Edição integral. Editado por Otto H. Frank e Mirjam Pressler. Tradução de Alves Calado. São Paulo : Editora Record, 1996 )

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Anne Frank escreveu pela última vez em seu diário no dia 1.º de agosto de 1944. No dia 4 de agosto o Anexo foi invadido. Sua família e as outras pessoas que ali se escondiam foram levadas para campos de concentração. Só o seu pai sobreviveu.

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