06 janeiro 2010

França: Partido Socialista condena o uso da burca sobre o território nacional.

Nota do Partido Socialista Francês esclarece que, embora contrário ao uso da "burca" (véu que encobre todo o rosto) pelas mulheres muçulmanas na França e defenda uma mobilização pública contra a sua utilização, é contra a tentativa de se "resolver" o assunto através de uma lei de proibição.
França: com ou sem véu?
França: com ou sem véu?
 (Clique para assistir a vídeo da Reuters)
Burca: uma ação pública, mas nenhuma lei especial. Em 6 de janeiro de 2010

1) O Partido Socialista condena o uso da burca, uma prática incoerente com os valores da República.
O Partido Socialista condena a prática do uso do véu completo (burca) sobre o território nacional.

Esta prática é uma negação fundamentalista à emancipação e liberdade das mulheres, aos valores fundamentais da República e uma aparente recusa do princípio da igualdade entre homens e mulheres feitas pelo preâmbulo da Constituição de 1946. Embora praticada por uma minoria, deve ser firmemente condenada.

Mais amplamente, como já foi declarado perante os representantes do Conselho Francês do culto muçulmano, o ato de vestir a burca representa uma auto-exclusão da vida na cidade. Ela se opõe, no essencial, à idéia de uma república composta de cidadãos iguais, sem distinção de origem, sexo ou religião, a cidadania pressupondo a participação na vida cívica é incompatível com a negação do contato com outros membros da sociedade, numa base de reciprocidade, garantindo assim a igualdade.

Mesmo supondo que, em alguns casos, o uso da burca revele escolhas individuais não diretamente forçadas, ela nos parece – pelos seus fundamentos e pelo que expressa – uma negação absoluta dos valores da República.

Consequentemente, esta prática deve ser combatida e evitada por todos onde, em razão do lugar ou das circunstâncias, isto seja possível em respeito ao quadro constitucional no qual estamos inscritos.


2) O Partido Socialista preconiza uma ação pública contra o uso da burca em respeito ao nosso Estado de direito e que mobilizações se façam dentro dos princípios e meios Republicanos.
Então nós entendemos ser necessário, no estado, privilegiar as vias de ação pública, às vezes incontestáveis, sob a nossa ordem constitucional e adequados para lutar eficazmente contra este fenômeno ainda marginal.

Nós propomos várias linhas de uma ação coerente, justa e proporcional ao problema. As circunstâncias que levam ao uso do véu são múltiplas e devem ser levadas em consideração se a pessoa realmente quer reverter esta prática.

Devemos empenhar plenamente todos os instrumentos jurídicos já disponíveis pelo nosso Estado de direito e garantir a sua aplicação coerente.

- Assim, funcionários e agentes públicos não têm direito, no exercício das suas funções, de portar símbolos e distintivos religiosos. Da mesma forma, os usuários dos serviços públicos poderá ser recusado usar o véu integral e não poderá em nenhum caso exigir ser servido sob condições decorrentes de suas crenças se afetar o normal funcionamento do serviço (serviço público hospitalar ...). Quanto ao estabelecimento de documentos de identidade uma circular virá precisar a obrigação de se ter o rosto à descoberto. No que concerne ao espaço público, a lei em vigor permite a identificação de indivíduos para fins de segurança, a proibição do uso de roupas escondendo seu rosto, como no caso da participação, ou da proximidade, em uma reunião em que a ordem pública esteja ameaçada.

- Quando o uso da burca revele claramente uma deriva sectária, deverá ser tratado como tal. Por isso, é necessário reforçar a luta contra as seitas, embora esta nunca tenha sido uma prioridade do executivo, que, inclusive, considerou a supressão da MIVILUDES (Missão Interministerial de vigilância e luta contra o sectarismo). Queremos, pelo contrário, garantir que seus recursos sejam fortalecidos e sua capacidade de alerta e de prevenção sejam desenvolvidas.

- Esta luta envolve também uma política de firmeza absoluta contra a violência contra a mulher como desenvolve oportunamente o projeto de lei de Bousquet "reforçando a proteção das vítimas e a prevenção e punição da violência contra as mulheres", protocolado junto à presidência da Assembléia Nacional em 27 de novembro de 2009. Exigimos a aprovação dessa lei o mais rapidamente possível.

- Finalmente, convém que sejam multiplicados os pontos de contato entre as mulheres interessadas e as estruturas públicas, permitindo ao governo oferecer informação e assistência sobre os seus direitos, inclusive no caso de estrangeiros em vias de integração. Todas as experiências que podem ajudar a recriar os laços cívicos e sociais devem ser desenvolvidos. A luta pela igualdade deve ser conduzida pela sociedade civil que deve ser acompanhada em seus esforços. Os poderes públicos deverão apoiar as associações que trabalham para apoiar as mulheres, informá-las do seu direito de dispor do seu corpo e sobre métodos de contracepção, e realizar atividades educativas sobre educação sexual para crianças e jovens. Convém que seja iniciada a multiplicação dos pontos associativos de encontro sobre assuntos de seu interesse. Relativamente aos jovens, um trabalho ambicioso de educação para os direitos fundamentais, a laicidade, a cidadania e os valores da República é indispensável. Paralelamente, as discriminações, fatores de comunitarismo deverão ser combatidas por toda a coletividade nacional.


3) O Partido Socialista irá recusar qualquer lei circunstancial, inaplicável.
A recusa a que haja no território nacional o uso da burca não deve conduzir a dispositivos juridicamente questionáveis, inadequados ou inaplicáveis.

A quase totalidade dos juristas, inclusive os consultados pela Missão, considera que uma lei de proibição geral e absoluta da burca não está assegurada em seus fundamentos jurídicos, notadamente os de ordem constitucional.

Essa proibição legislativa incorreria em um elevado risco de censura do Conselho Constitucional, relativamente a vários textos fundamentais relativos à liberdade de consciência ou de religião, nomeadamente nos artigos 4 º e 10 º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Da mesma forma, seria susceptível de ser contestado pela CEDH, com base no artigo 9 º da Convenção Européia dos Direitos Humanos.

O Partido Socialista lamenta profundamente que o trabalho de sua Missão sobre o uso da burca na França tenha sido prejudicado por um clima insalubre criado por razões eleitorais, pelo atual poder do debate "sobre a identidade nacional".

Hoje, o Partido Socialista não é favorável a uma lei especial, inexeqüível, que não seria eficaz e poderia ser contrária aos princípios constitucionais. Apela para o pleno uso de todos os meios já disponíveis pela República para a luta contra o uso do véu integral, sob um clima que poderá ser amenizado pelo fim do "debate sobre a identidade nacional" e derrapagens e amálgamas que lhe deu origem. *

* *
Como indicado pelos deputados socialistas presentes na sua missão de informação: nós preferimos a República, que irradia seus valores para que censure, para que emancipe, para que exclua. Nosso país tem se revelado sempre, melhor do que qualquer outro, no desafio histórico que consiste em sublimar as identidades particulares para forjar uma identidade coletiva.
Devemos ser fiéis à nossa tradição de lutar sem fraqueza, repelindo a tentação do obscurantismo, da violência contra as mulheres, mas também a rejeição do outro, o racismo e o populismo, que têm conduzido a um confronto e negado a integração dos muçulmanos no nosso país.
Os socialistas não se resignarão jamais a uma sociedade fraturada, marcada pela desigualdade e exclusão. Mais do que nunca, eles estão comprometidos com a idéia de uma república composta de cidadãos iguais, sem distinção de origem, sexo ou religião, como indicado na Constituição, concepção que não cessa de fragilizar pelas ações ou declarações no atual chefe de Estado.

Tradução livre do Francês por Rosane Lacerda.

Fonte: < http://presse.parti-socialiste.fr/2010/01/06/mission-parlementaire-d%e2%80%99information-sur-le-port-du-voile-integral-la-position-du-parti-socialiste/  >

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