Sábado,
21 de Julho de 2012 | ISSN 1519-7670 - Ano 16 - nº 703
GREVE
NAS FEDERAIS
O
jornalismo cego às armadilhas do discurso oficial
Por Sylvia
Debossan Moretzsohn
em 17/07/2012
O
que dizer de um noticiário que dá de manchete exatamente o contrário da
informação correta?
Foi
o que ocorreu na cobertura da coletiva convocada pelo governo, no fim da tarde
de 13 de julho, para anunciar a proposta com a qual pretende pôr fim à greve
nas universidades e institutos federais de ensino, que já dura quase dois
meses. O noticiário revelou mais uma vez a submissão dos jornalistas às fontes
oficiais e a absoluta ausência de apuração própria resultou em matérias que
induzem a erro e anunciam o oposto do que a proposta significa. Pois, em vez do
alardeado reajuste, os professores terão perda salarial, como se verá. E não
apenas isso: o plano de carreira embute armadilhas que, se confirmadas,
significarão um retrocesso aos tempos da ditadura.
Comecemos,
porém, pelos aspectos mais evidentes da cobertura.
Uma
primeira comparação entre as capas de dois dos principais jornais do país já
levaria a algum arquear de sobrancelhas: enquanto O Globo alardeia em manchete
“Governo cede e aumenta professores em até 48%”, a Folha de S.Paulo dá chamada
de capa com um índice menor: “Governo propõe reajuste de até 40% a docentes das
federais”. A discrepância se deve a opções diferentes entre os jornais – o
maior índice se refere a professores de institutos federais, e não de
universidades – e ao cuidado do jornal paulista em abater, do índice anunciado,
o reajuste de 4% já pago aos docentes de universidades no contracheque de maio,
retroativo a março, conforme acordo estabelecido no ano anterior.
Ainda
assim, ambos os jornais associam os números exuberantes aos cargos de “maior
titulação”, sem explicar que esse reajuste máximo atinge apenas o restrito
grupo de professores titulares. Entre doutores com regime de dedicação
exclusiva, tanto adjuntos quanto associados (e essa diferença é relevante,
porque os associados ganham substancialmente mais), o índice fica na faixa dos
30%.
Fazendo
contas
Os
jornais informam corretamente que os reajustes serão concedidos parcialmente,
ao longo dos próximos três anos. Porém, não alertam para o essencial: que se
trata de um percentual bruto, do qual, obrigatoriamente, deveria ser descontada
a previsão de inflação para o período. E é aí que fica clara a primeira
armadilha da proposta: não se trata de oferta de reajuste, mas da imposição de
uma redução salarial, na maioria dos casos.
Há
muitos anos, um renomado colunista de economia, convidado a dar uma palestra
para estudantes de jornalismo, surpreendeu – e provavelmente decepcionou – a
plateia ao responder à pergunta inevitável sobre a preparação dos jovens para a
profissão: não repetiu a ladainha de sempre sobre a necessidade de leitura dos
clássicos; disse que um bom jornalista precisa saber fazer contas.
Essa
tarefa, infelizmente, continua restrita aos especialistas, como o professor
Wagner Ferreira Santos, do Departamento de Matemática da Universidade Federal
de Sergipe. Ele fez essas contas e disponibilizou o resultado num artigo
em que demonstra o engodo de se comparar valores em períodos distintos sem
considerar o índice de inflação correspondente, normalmente calculado pelo
IGP-M. Com base nesse índice, ele projeta uma inflação de 20% até 2015, de modo
que, assim (re)ajustada, a remuneração da grande maioria dos professores
(mestres e doutores com dedicação exclusiva, que compõem a esmagadora maioria
nas universidades públicas) sofreria, de fato, perda de 0,4% a 11,9%, conforme
a titulação e o nível de carreira. Reajuste, a rigor, só para o professor
titular (5,9%, nesse percentual corrigido) e para o doutor adjunto nível 4
(1%), como se pode conferir nas tabelas publicadas em seu artigo.
Para
esclarecer, o professor argumenta, como se passasse uma tarefa a seus alunos:
“Como exercício de fixação, façamos cálculos análogos com o salário mínimo, que
é referência para a maioria da população brasileira. Primeiro, mostre que os
atuais R$ 622 são realmente maiores que os R$ 510 de julho de 2010. Agora, a
pergunta capciosa: se o governo anunciasse hoje que o salário mínimo sofreria
aumentos consecutivos em três parcelas, chegando a R$ 700 em julho de 2015,
você aceitaria?”.
Papagaios
das fontes
Os
jornalistas presentes à coletiva não apenas não fizeram essas contas como nem sequer
indagaram por que a proposta anunciava percentuais brutos e ignorava a inflação
projetada para o período. Seria o comportamento elementar de qualquer repórter
minimamente qualificado e interessado em trabalhar com dados corretos para
divulgar informações confiáveis. Ainda que se considere que o governo,
espertamente, venha convocando suas coletivas mais problemáticas para o fim da
tarde, quando já não sobra muito tempo para que os jornalistas analisem
adequadamente os dados que precisam divulgar “em tempo real”, nos sites e no
noticiário radiofônico e televisivo. Mesmo que não obtivessem a informação
precisa, os repórteres poderiam relativizar o que receberam, e não agir como
porta-vozes oficiosos. Entretanto, o máximo que fizeram foi ouvir “o outro lado”,
o dos dirigentes sindicais, e publicar breves declarações contrárias à
proposta, mas tampouco esclarecedoras.
À
parte a questão do reajuste, que inevitavelmente ganharia destaque no
noticiário, há pelo menos outras duas armadilhas embutidas na proposta do
governo para o plano de carreira nas universidades federais, como se pode
constatar aqui,
e que sequer foram consideradas nas reportagens, como observou o professor
Kleber Mendonça, chefe do Departamento de Estudos de Mídia da UFF. Uma delas,
que já preocupava as entidades sindicais, é a de que todos os novos
professores, independentemente de sua titulação, ingressarão no nível mais
baixo da carreira, como auxiliares, e não poderão mudar de classe enquanto
estiverem em estágio probatório (o período de três anos ao final do qual o
profissional é confirmado ou desligado do cargo). Na prática, isso significa
que aquele que já poderia estar recebendo como doutor ficará com remuneração
inferior durante esses três anos. Note-se que os concursos, há muitos anos, vêm
sendo abertos apenas para doutores, e só excepcionalmente para mestres. Ou
seja, exige-se a titulação, mas a remuneração correspondente pode esperar.
É
possível perder essa oportunidade tão clara de ironizar o discurso oficial de
“valorização da carreira”?
Ironias
da história
Além
disso, a planilha comparativa
divulgada pelo governo mostra apenas os salários atuais (antes e depois do
reajuste de 4% já concedido no mês passado, e retroativo a março) e os salários
de 2015. O hiato de três anos até lá é apagado, mais ou menos como em certos
anúncios imobiliários em que algumas ruas são suprimidas do mapa para dar a
impressão de que o belo imóvel fica a poucas quadras da praia ou de um
maravilhoso bosque. Quem olha as planilhas fica com a sensação de que os professores
que recebem hoje, digamos, R$ 7.600 (adjunto 1, doutor com dedicação
exclusiva), passarão logo a ganhar R$ 10 mil, quando esta é a remuneração para
daqui a três anos.
A
outra armadilha é que o governo propõe uma mudança no sistema de promoção “nos
termos das normas regulamentares a serem expedidas pelo Ministério da
Educação”. Portanto, propõe que os professores aceitem normas que desconhecem.
É
de fazer inveja a Maquiavel.
Mas
essa armadilha representa algo ainda mais grave, como lembrou o jornalista João
Batista de Abreu, professor no Departamento de Comunicação da UFF: significa um
retorno aos tempos da ditadura militar, quando não havia concursos públicos e a
cada renovação de contrato os professores tinham que apresentar o famigerado
atestado ideológico, emitido pelo DOPS. Quem estava respondendo a processo
político não conseguia o documento. Depois da Lei da Anistia, em 1979, essa
exigência caiu, mas um chefe de Departamento que não gostasse de determinado
professor poderia simplesmente não renovar seu contrato.
João
Batista, na época em início de sua carreira docente, recorda da greve iniciada
em fins de 1980, que resultou na conquista desse aspecto fundamental da
autonomia universitária que é a definição do sistema de ascensão funcional,
através da constituição de comissões de progressão docentes, responsáveis
também pela regulamentação das atividades do professor na instituição. “Se os
critérios de progressão passarem a ser definidos pelo MEC”, diz João Batista,
“voltaremos 30 anos no tempo”.
Seria
uma dessas ironias da história se isso acontecesse, tendo em vista o passado
dos atuais governantes. Mas a tentação autoritária é um fantasma sempre à
espreita.
“Proposta
definitiva”
Apesar
de todas essas considerações, houve quem, embora com vasta experiência
profissional – como a colunista de política da Folha Eliane Cantanhêde –,
optasse por simplesmente reverberar as informações oficiais, afirmando
tratar-se de uma “proposta definitiva”, esse absurdo lógico que ignora que uma
proposta, por definição, é passível de negociação. Do contrário, trata-se de
decisão, deliberação, imposição ou qualquer outro substantivo que expresse uma
resolução unilateral de quem tem, ou pensa que tem, poder para agir dessa
forma.
Para
concluir, as reportagens não deixaram de notar o “impacto” de R$ 3,9 bilhões
que essa “proposta definitiva” causará aos cofres públicos, ignorando
oportunamente o teor da Medida Provisória 559, já aprovada pelo Congresso e
dependendo apenas da sanção presidencial, segundo a qual o governo concede às
instituições particulares de ensino R$ 15 bilhões sob a forma de renúncia
fiscal.
Assim
se faz o jornalismo de hoje, esse jornalismo que certa vez chamei “de mãos
limpas”, porque se contenta em ouvir um lado, ouvir outro e lavar as mãos,
deixando supostamente a conclusão para o público. Não é difícil imaginar a que
tipo de conclusão esse público poderá chegar, privado que está das informações
elementares a partir das quais poderia elaborar algum raciocínio minimamente
fundamentado. Não por acaso tantos colegas professores receberam congratulações
de parentes e amigos diante da expectativa do magnífico reajuste. Precisaram
pacientemente desfazer o equívoco, para espanto de quem acreditou nos jornais.
***
[Sylvia
Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal
Fluminense]
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ResponderExcluirOlá, sou Lucy Ramos pelo nome, QUERO COMPARTILHAR A MINHA EXPERIÊNCIA DE COMO EU FUI CURADO DO HIV POR MEDICINA HERBAL. Pode soar
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também terá um testemunho para compartilhar. informe as outras vítimas sobre isso.
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